Tendo em conta as inovações trazidas por Steven “Flying Lotus” Ellison, patrĂŁo da Brainfeeder, para aquilo que se convencionou chamar “hip-hop instrumental”, talvez já faça pouco sentido atribuir essa definição a esta mĂşsica. Se Ă© verdade que os beats do falecido J.Dilla sĂŁo uma influĂŞncia notĂłria, nĂŁo o Ă© menos o facto de estes serem apenas uma parte de um todo. Um todo no qual o beat propriamente dito funciona como um ”hub”, para onde convergem diversos outros gĂ©neros. Se em “Cosmogramma”, de Flying Lotus, isso já era bem notĂłrio, nĂŁo o Ă© menos na estreia em álbum de William “The Gaslamp Killer” Bensussen. Algo que nĂŁo surpreenderá quem esteve atento Ă produção deste Ăşltimo no álbum de estreia de Gonjasufi, “A Sufi And A Killer”. NegĂłcios de “famĂlia”, portanto.
Indo mais atrás, podemos ainda descobrir o ADN de “Breakthrough” em “The Private Press”, o álbum onde DJ Shadow puxou ainda mais para a frente as suas influĂŞncias de melĂłmano extra hip-hop. Isso observa-se na organicidade de “Breakthrough”, disco aparentemente pouco interessado em soar maquinal. Os sons dos instrumentos estĂŁo aqui bem vivos, quer sejam baixos, orgĂŁos, ou os breaks da bateria, interpretados fervorosamente pelo prĂłprio Gaslamp Killer. Existem mĂşsicas, como as duas participações de Gonjasufi, em que nem sequer existem beats. Onde Gaslamp Killer preferiu um som de paradoxal claridade no meio da estática. Como o dito Gonjasufi transplantado do deserto para o smog citadino da California. “Breakthrough” Ă© difuso, granulado, gasoso, mas sente-se nele um urbanismo vĂvido de ruas lotadas, cheias de skaters, fumadores de substâncias ilĂcitas, b-boys, electro-excĂŞntricos, t-shirts amarelo-torradas com desenhos e ondas de calor.
Gaslamp Killer trouxe para “Breakthrough” uma quantidade apreciável de colaboradores. Gente como Miguel Atwood-Ferguson, Samiyam e Daedalus incorpora-se na sonoridade sem deixar as costuras Ă vista. No fundo, como estamos perante um disco de gĂ©nese californiana (pensemos em todo o psicadelismo originário de SĂŁo Francisco, dos Grateful Dead aos Thee Oh Sees), acaba por ser natural sentir que os sons querem chegar aquele centĂmetro mais alĂ©m, preencher mais o espaço. Seria fácil falar em psicadelismo, e nĂŁo há dĂşvida que “Breakthrough” nĂŁo existiria se um dia alguĂ©m nĂŁo falasse de umas tais portas da percepção. Mas as suas batidas, instrumentação, scratches, mĂ©dio-orientalismos, sintetizadores e alto volume estĂŁo feitas Ă medida de qualquer um que se queira deleitar com aqueles pequeninos pormenores que surgem sempre quando se ouve um disco pela enĂ©sima vez.
As mĂşsicas deste álbum raramente chegam aos 3 minutos, o que, mais uma vez, nĂŁo constitui surpresa para quem ouviu discos como “Cosmogramma”. “Breakthrough” Ă© nĂtido e gritante como um arranha-cĂ©us espelhado. Mas permite, ao mesmo tempo, que o sol que nele reflecte dificulte a visĂŁo. Felizmente que isso apenas significa um exacerbar do alerta dos outros sentidos para com um disco que faz por merecĂŞ-lo.