“Foda-se, porque é que estou a ouvir The National?”. Estava a lavar a loiça e de repente, entre o barulho dos pratos e o cair da água, comecei a ouvir um barítono lamentar-se do quão difícil é ser um branco de classe média. Ainda nem há um minuto estava a ouvir três gajos ganzados a tocar guitarra, e tinha a certeza de que não tinha o shuffle ligado. Não percebia o que é que estava a acontecer.
O que estava acontecer era o Lookout Mountain, Lookout Sea (2008), o último álbum que os Silver Jews pariram. Spoiler: é uma seca. Antes disso, estava a ouvir o Early Times, disco acabado de lançar que reúne o primeiro EP e o primeiro sete polegadas deles. Como o iTunes organiza os discos por ordem alfabética, aparecem um a seguir do outro, mas separa-os um mundo. Os Silver Jews de Lookout Mountain, Lookout Sea eram um casal literato (David e Cassie Berman) e faziam canções rock certinhas (e um bocado conas) sobre jukeboxes que sofriam ou o caralho. Os Silver Jews de Early Times eram dois gajos de Pavement (Stephen Malkmus e Bob Nastanovich) mais um miúdo que estudava com eles (David Berman) e gravavam canções rock desconexas em atendedores de chamadas, com referências laterais a Star Wars e Wild Palms.
Convém sublinhar que Early Times é um discaço, apesar de se limitar a sequenciar cronologicamente as primeiras 14 malhas editadas pelos Silver Jews. Não há nenhum esforço de curadoria, nada. Só canções, em estado bruto. Primeiro surgem as cinco faixas de Dime Map of The Reef (1990) que, sem serem brilhantes, não ofendem – “Canada”, logo a abrir, é tremenda, um falso hino canadiano que podia ter aparecido num dos discos pré-Matador dos Pavement. Depois vem o EP The Arizona Record (1993), que está cheio de malhões, a meio caminho entre uns Pavement mais contemplativos e os Silver Jews de American Water (1998), com várias piscadela de olho aos The Fall. Ou seja, indie rock americano como deve ser, genuíno, estranho, imprevisível.
Apesar de pouco conhecido, The Arizona Record foi um monumento lo-fi, a par dos melhores discos de Guided By Voices, Beat Happening ou Sebadoh. Agora, Early Times apresenta-o (com mais umas quantas canções) a uma nova geração. Nunca é tarde demais para redescobrir um clássico.