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Jack White Blunderbuss

2012
XL Recordings


É preciso compreender que, quando se fala em Jack White, não se está a falar de um mortal qualquer, como tanta gente que pega numa guitarra e acha que sabe fazer “rock”, pelos mais diversos motivos. Jack White é um homem que, num mundo em que os ícones não tivessem deixado de aparecer nas camisolas após a morte de Kurt Cobain, estaria provavelmente nesse panteão. Ou talvez não, visto que Jack White nunca foi uma figura “trágica”, nem “heróica”. Quer durante o tempo que esteve nos inesquecíveis White Stripes (RIP), quer agora nesta sua magnífica estreia a solo, a guerra dos sexos tem sido proeminente na sua música. Mais do que qualquer zanga existencial contra o mundo, e contra aquele tal ”you” que ainda não sei bem quem é, e que tanto espúrio sucessor sem um milionésimo do talento de Cobain nos massacrou com.

Jack não é um simples rock-and-roller, apesar de ter um som de guitarra imediatemente identificável. Aquele que parece estar a passar por um moedor de carne dentro de uma máquina de pinball. Como se comprova em “Blunderbuss”, o que lhe parece interessar acima de tudo é a escrita de canções. E para isso, pouco importa se tem que usar uma guitarra eléctrica, uma acústica, um piano, um Fender Rhodes, ou mesmo um baixo. Tendo-se rodeado de, não uma, mas duas excelentes bandas (as Peacocks e os Buzzards), Jack faz de “Blunderbuss” um conjunto de 13 grandes canções. Canções com uma vitaminação diferente das que fazia com Meg White, mais trabalhadas, mas onde não falta acção. Na voz, nos arranjos, nas melodias. Sejam mais próximas do rock, do blues, da country, do boogie, da folk, do vaudeville. Jack é um apaixonado por música americana, e exibe-o aqui.

É difícil destacar canções individuais em “Blunderbuss”, pois todas elas saltam uma fasquia bem alta. Falarei, ao calhas, do dueto acústico-armado-de-bisturi com Ruby Amanfu em “Love Interruption” (primeiro single), no piano gingão de “Hip (Eponymous) Poor Boy”, na confrontação de alto ritmo cardíaco de “Trash Tongue Talker”, ou na história caucionária de “Hypocritical Kiss”, conduzida pelo piano de Brooke Wagoner, e pela bateria da extraordinária Carla Azar. Em todas elas, e nas restantes nove, estão as qualidades que Jack White exibe desde há muito. Notas e melodias que dançam mal saem da sua boca. Carisma vocal inconfundível naquele tom a meio caminho para o falsete. A sensação que ele sabe tão bem qual o seu papel. Como Dylan, ele confunde-se com a personagem Jack White (diz que o nome verdadeiro é John Gillis). Ele É Jack White.

As letras de “Blunderbuss” são esmagadoramente dedicadas a problemas de ego, provocados por mulheres sentimentalmente sádicas. Jack já vai em dois divórcios, mas se lhe perguntarem, o mais provável é ele negar tudo sobre a relação disso com as letras, a la Jason Pierce e as drogas. No fundo, não faz diferença nenhuma. Porque, tal como Dylan, Waits, Cave, Cohen e que tais, Jack White não precisa de nenhuma caução de verité. Basta-lhe ser Jack White, e convencer-nos de que estas canções não poderiam vir de mais ninguém. E com “Blunderbuss” criou uma das melhores colecções que os anos vindouros nos darão.


Nuno Proença
nunoproenca@gmail.com
30/05/2012