Tendo em conta a review muito recente a Quarantine da Laurel Halo, qualquer escrita sobre DĂ©viation acaba por pĂ´r o disco em contacto com algumas das ideias que aĂ foram abordadas, enquanto posicionamento contextual. Em termos latos, Steve Warwick foi graciosamente rastejando para fora do drone mais lamacento, onde que era um exĂmio explorador, para se libertar em direcção Ă dança – algo nĂŁo tĂŁo indissociável quanto isso, se pensarmos em como o Steve Hillage chegou de Rainbow Dome Music a System 7, na importância da kösmische para a rave ou em E2-E4, pegando em exemplos histĂłricos. O sintetizador e demais parafernália electrĂłnica – TB-303 Ă© amor, e todos se andam a aperceber disso – enquanto meio primordial. A repetição como denominador comum.
Recentemente, Ă© impossĂvel nĂŁo especular sobre algum tipo de melindre em torno de algumas destas mutações – o cinismo hipster que permeia tudo isto, num paralelo com o R&B leftfield que tarda em mostrar algum valor intrĂnseco – mas quando se traça um contĂnuo Ă carreira de Heatsick, há um movimento gradual em direcção Ă boa onda de DĂ©viation. O modo como a arquitectura densa do drone para teclado rasca em discos fascinantes como Perpendicular Rain - deixando de lado o peso ritualista dos Birds of Delay – se foi deixando inundar pela luz em Dubbed Sunshine - Ăşltima edição da barreirense Searching (R.I.P.) -, com o ritmo a tomar um papel cada vez mais dominante Ă chegada do mediano Intersex em 2011.
Com Dream Tennis a deixar escancarado de modo brilhante o legado da Trax que havia sido sugerido de forma mais tĂmida em Intersex, Warwick reaparece na PAN munido somente do seu teclado Casio – e alguns pedais – com os pĂ©s já assentes na pista. Curiosamente, e sem abandonar uma certa rugosidade lo-fi, DĂ©viation nunca se deixa prender Ă s premissas sabotadoras da faux-dança cultivada pelos seus pares – se o virmos num panorama mais subterrâneo. NĂŁo há rehash ácido, nem jogos de espelhos IDM, apenas um caleidoscĂłpio tropical de melodias infecciosas e paisagens descontraĂdas que nĂŁo sucumbem Ă preguiça. O fim Ăşltimo Ă© a diversĂŁo, e nada mais resta do que seguir o chamamento.
O tema-tĂtulo abre com percussĂŁo caribenha, antes da entrada de uma linha de baixo saltitante que vai conduzindo a malha sobre espirais de sintetizador em voo rasante ao pĂ´r-do-sol, como que a chamar pelos primeiros martinis do dia. “C'Ă©tait un Rendez-vouz” contĂ©m-se numa atmosfera chill out que Ă© sinĂłnimo da melhor descontracção – e nĂŁo de papel de parede importado das “novas tendĂŞncias” - com espaço para um saxofone lânguido de AndrĂ© Vida, falhando apenas na introdução de uma voz desinteressada que – felizmente – dura pouco.
No lado B, “Stars Down to Earth” tem um gemido insistente que, com a devida atenção se poderia revelar irritante, não fossem as várias harmonias que vão populando a faixa argumento mais do que suficiente para o esquecer. Tem também um belo breakdown pautado por surtos de saxofone para efeito psicadélico, tornando mais expressivo o regresso do ritmo que segue para o final com “No Fixed Adress”. Continuação de “Stars Down to Earth” nos moldes do Todd Terry de “Bango” ou “Just Wanna Dance”, e conclusão de um ciclo que – com a sua devida reverência aos tempos gloriosos da house – se mostra capaz de reinventar uma linguagem de uma modo genuinamente preocupado em aproveitar o momento, e não em fazer disso uma escapatória vazia. Disco de construção precisa, mas com a desenvoltura suficiente para não estratificar num conceito, Déviation é um dos exemplos mais gratificantes daquilo que pode nascer nas periferias da música de dança.