Não é necessário entrar pela militância Tumblr/Blogger para constatar que o buraco indie cheio de bandas de guitarrinha frágil em devoção afectada à xonice, está hoje muito mais dependente dos efeitos da música electrónica, no que a atenção diz respeito. Não deixa de ser uma zona de conforto demasiado conformista – e reaccionária, até – mascarada por um hipotético bom gosto que faz questão de habitar um limbo cabotino que não permita resvalar, ora para o nicho da música far out, ora para a aceitação massiva – com a cultura popular a uma certa distância, para manter um certo cinismo, já que a ironia não faz parte da agenda pós(?)-pós-moderna. E é nessa indecisão que a cena mais leftfield da música de dança tem vindo a escalar o top da Billboard indie – se este existisse, dar-me-ia razão.
Com aquela vaga noção de estranheza – que levou as gentes de Brooklyn ao stardom possÃvel há uns 8 ou 9 atrás - a tornar-se uma prática comum, é normal que nomes nascidos no lamacento mundo das cassetes e dos concertos em pardieiros se tenham visto alvo de uma transversalidade algo estranha com as aproximações sucessivas à canção. Mesmo quando o talento está longe de ser o suficiente para essa prática quase miraculosa – e a referenciar legados mais ou menos esquecidos ou fechados como a cold wave, a house de Chicago, a Warp dos primeiros tempos e a pop sintética – enquanto espaço para a citação esperta – sem com isso sujar as mãos.
Podia-se pensar no percurso da Not Not Fun desde os seus primórdios até à criação da 100% Silk como cápsula destes movimentos laterais, mas para situar a Laurel Halo pode-se traçar um contÃnuo de senhoras como Stellar Om Source, Zola Jesus e Grimes – mais ou menos nesta ordem – para chegar até à essência contextual de Quarantine, sem grandes transtornos para qualquer uma das partes. Com a vantagem de que, em relação a estas duas últimas – mesmo com a influência tendencialmente benéfica da Kate Bush em comum – a Laurel Halo pareça ser uma exploradora mais incansável do som enquanto processo para as tais canções, ao invés de lhes chegar por uma via tentativa de aproximação. Com o conhecimento de causa da música electrónica nas suas vertentes mais expansivas – a kösmische desse grupo de viajantes que se encontrou em Frkwys vol. 7 - ou cerebrais – a IDM postulada em Hour Logic - Quarantine procura alinhar essas facetas em torno da tendência mais cancioneira de King Felix
Sendo que a passagem NNA / Hippos in Tanks / Hyperdub enquanto plataformas de edição acaba por resumir de modo bastante fidedigno essa realidade na trilogia cassete, 12â€, álbum – respectivamente - Quarantine culmina essas experiências sem ser um disco grandioso. Não que haja algo de declaradamente errado nele – e atira com quase todas as edições circundantes para fora de água – mas sofre da habitual maleita em casos deste tipo que é a incapacidade gerar um campo harmónico memorável sobre esse manto de abstracção. O que, mesmo não sendo o objectivo primordial, acaba por cortar as pernas a alguns dos momentos de Quarantine : os arpejos de “MK Ultra†que refugiam uma melodia sonâmbula, até chegar a um refrão tendencialmente doce no contraste com o fundo sintético, sem nunca conseguir qualquer tipo de ressonância emocional – Pensem numa Morr Music em melhor, mas isso é pouco abonatório.
Algo que o ambiente opressivo de “Carcass†conseguiria atingir numa visão pós-noise do AFX circa 94 enredado com a distopia dos primeiros Autechre, mas que faz questão de se deixar intrometer por uma voz que ao tentar evocar a Liz Frasier no seio dessa maquinaria acaba por estar paredes meias com a Diamanda Galas – passe o exagero, o efeito não anda longe. Encaixada no meio de dois interlúdios, “Carcass†seria a inevitável peça-central não fosse este pormenor irritante. Como tal, e deixando de lado potenciais canções, os melhores momentos de Quarantine são deixados logo no inÃcio. “Airsick†com a batida soterrada e a profusão de sons a contaminarem uma canção onde um drone simula um reactor de avião, para chegar a um ponto onde os High Places seriam algo interessante se vivessem num ambiente urbano.
“Years†deambula sobre uma ambiente amniótico, com uma certa desorientação a persistir nas vozes que se vão revezando num efeito semelhante a “Convincing People†dos Throbbing Gristle se esta tivesse nascido num sonho. Em “Thaw†tudo tem aquela noção de dejá vu fixe, entre “Moments in Love†dos Art of Noise, a banda sonora do Twin Peaks e um separador de TV nocturno, a tentar ser canção através de uma voz processada. Voz, que é, em última análise, o grande entrave a Quarantine : não que se exigisse uma prestação cheia de melisma, mas quando todo o encanto possÃvel do disco se perde assim que este acaba, é sinal que lhe faltou algum corpo que encarnasse a riqueza instrumental para algo mais tangÃvel. Quem passa bem sem essas “exigências†é capaz de ver tudo isto com bons olhos. Quem quer algo que se aconchegue no cérebro só vai ficar com o vazio.