Passados 14 anos de silĂŞncio desde a sua edição, The Miseducation of Lauryn Hill tem hoje um estatuto mĂtico que serve de muleta conveniente para todos aqueles que, ignorando a quase totalidade da produção R&B ao longo destes anos, suspiram ainda pelos good ol' days com esperanças vagas num regresso "sebastiânico" da cantora de New Jersey. Como tal, e apesar da Erykah Baduh ter colmatado esse vazio inexistente – naquele equilĂbrio entre aceitação crĂtica e viabilidade comercial -, nĂŁo seria de todo surpreendente que a reverĂŞncia ao clássico disco de estreia de Hill começasse a ser uma norma cada vez mais habitual Ă medida que o silĂŞncio se vai acumulando sob o peso desse mesmo.
Com a citação escancarada no tĂtulo, The Misunderstanding of... poderia passar a ideia de se tratar de um mero pastiche, mas com tanta carga reverencial a insuflá-lo trata-se apenas de um factor simbĂłlico – mesmo que o uso de “Doo Wop” como interlĂşdio leve a homenagem longe de mais - que se imiscuĂ por entre referĂŞncias mais ou menos directas Ă Mary J. Blige ou Ă Janet Jackson. Ideia consequente com o prĂłprio estatuto de socialite da Teyana que – lançado pela sua participação no programa My Super Sweet 16 - tem vindo a dinamitar a sua verdadeira persona numa aura de reconhecimento vago enquanto “fenĂłmeno” Web. Estatuto que em “Google Me” era celebrado enquanto chamada de atenção quase coerciva. Mesmo assim, incapaz de chamar a atenção para o álbum de estreia - From a Planet Called Harlem.
Com esse resultado a ditar a sua saĂda da Interscope, a cantora do Harlem passou a integrar os quadros do Maybach Music Group do omnipresente Rick Ross, com este The Misunderstading of... a funcionar enquanto precedente para algo previsivelmente maior. Mixtape pura que, apesar da dispersĂŁo referencial – um interlĂşdio do Wyclef Jean? Para quĂŞ? - se aguenta meramente no valor das suas canções. Tem tambĂ©m a vantagem de assumir o papel de cantora da Teyana, descartando o seu rapping inĂłcuo para duas canções – “Bad Boy” Ă© inĂştil enquanto rehash de coisas como “Itty Bitty Piggy” com a Honey Cocaine a tentar emular a bizarria da Nicky Minaj, e em “Come On” a Teyana atĂ© recita os versos do Method Man na “All I Need” da Mary J. Voz que, apesar do anonimato potenciado pelas influĂŞncias, subsiste nos seus mĂ©ritos enquanto fio de condutor digno para as boas canções que por aqui estĂŁo.
As “Words of Wisdom” da Lauryn dĂŁo entĂŁo lugar a uma “Gatekeeper” mid-tempo em toada nostálgica de ambiente nocturno, com as cascatas de sintetizador a servirem de cama para uma interpretação que faz por se resguardar nesse mesmo equilĂbrio entre letargia e libertação. “Make Your Move” segue com maior fervor, contando com a presença do Wale – inevitável em tudo o que vem do MMB – e atĂ© um pequeno solo de saxofone, mas com um refrĂŁo marcante para que tudo isso nĂŁo descambe numa party jam inconsequente - “Valentine” Ă© tambĂ©m eficiente nesta premissa, enquanto “Choosin'” com Travis Porter se esforça demasiado para chegar Ă euforia.
É mesmo no campo das canções mais contidas que a mixtape se mostra mais interessante : “DUI” com o Jadakiss e o Fabulous a pairar numa aura de relaxamento – o piano e o vapor do sintetizador saĂdo da sauna – que se vai alimentando sobre a batida martelada, “Her Room” a mostrar novamente – depois da Jojo – que as canções do Drake tĂŞm apenas o propĂłsito de servir outros que nĂŁo ele e “8th Wonder” a fechar a mixtape com uma descontracção apaixonada. CaracterĂstica reveladora de um objecto fiel a essa condição, e que como tal, nĂŁo procura reivindicar para si grandes revelações – mesmo que neste campo existam já exemplos de qualidade superior – acabando por escapar ao filler inconclusivo Ă s custas dos seus bons momentos. Passe o peso de tanta influĂŞncia descarada, e está aqui uma razĂŁo de existir digna. NinguĂ©m estaria Ă espera de encontrar aqui algo tĂŁo marcante como o disco que inspirou o tĂtulo. Na verdade, nĂŁo faz qualquer sentido esperar eternamente por isso, quando existem tantas alternativas viáveis.