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BadBadNotGood BBNG2

2012


Sendo o jazz um género musical extraordinariamente difícil de definir, não só porque não existe um modelo de base de onde partam as inúmeras ramificações que se lhe conhecem, mas também porque, ao contrário dos tradicionalismos que ainda se vêem no rock e na pop, está em constante mutação - daí que coisas tão distintas como o swing, o bebop, o free ou até mesmo a música electroacústica encontrem o seu lugar à sombra desse vasto conceito - há que anotar, contudo, em todas as suas vertentes, a existência de um ponto em comum: a capacidade para a improvisação. É a partir desta que, mutatis mutandis, a música se desenvolve e adquire novos formatos, sendo inúmeras as interpretações e reinterpretações de standards no jazz, algo que promove sobretudo a liberdade de cada artista. Desta forma, não poderemos pensar nos como uma mera banda de covers, tal como sucede nos restantes géneros, nem compará-los a bandas tão obnóxias como os Nouvelle Vague, onde a reinterpretação segue o mesmo fio condutor sem nunca se desviar.

BBNG2 é, como o título indica, o segundo trabalho do trio, que se volta a debruçar, na sua maior parte (existem igualmente por aqui alguns - bons - originais), sobre temas do hip-hop actual, género que tem, igualmente e via sample, uma palavra a dizer sobre improvisação e liberdade, como é o caso dos comparsas nos Odd Future Tyler e Earl Sweatshirt, mas não só, encontrando-se igualmente canções de James Blake e, imagine-se, dos shoegazers My Bloody Valentine. Os BBNG não se limitam então a tocar versões; apropriam-se de cada canção, modificam-nas à sua maneira, reapresentam-nas sob outro olhar - quase como na filosofia: leram as ideias, pensaram as ideias, propuseram novas ideias. E condensaram essas ideias em onze canções e pouco mais de uma hora de música, continuando desta forma o bom trabalho que têm vindo a realizar e que tem provocado algumas ondas, tanto na crítica como
nos próprios artistas que "roubam".

Assim se chega a momentos como a versão que aqui apresentam de "Flashing Lights", de Kanye, sem dúvida uma das melhores coisas que se ouvirão em 2012: o trecho que o rapper havia retirado a Curtis Mayfield ainda nos soa melancólico, mas o beat hip-hop é substituído por uma potência quase rave que posteriormente se quebra e o tema se parte em três, deambulando por territórios DnB, desaguando na electrónica mais sombria e regressando à casa de partida. De salientar igualmente "Limit To Your Love" e "CMYK", a primeira de Feist e ambas interpretadas por James Blake, e, um pouco ao longo de todo o disco, especialmente em "Vices" (uma das originais), o desempenho no baterista Alexander Sowinski, agressivo quando é necessário, mantendo a toada rítmica sempre, tornando-se no principal motor do trio Canadiano. BBNG2 é um objecto que tem tanto de interessante como de didáctico; é um dos poucos discos de jazz com o condão de apelar a novos aderentes da causa jazzística, algo que monumentos como Kind Of Blue ou Jazz Samba nem sempre conseguem porque não são tão imediatos quanto o descobrir da nossa canção hipster favorita tocada de outra maneira. Daí que seja normal que quem já a ela pertencia não vá achar grande piada a este disco, mas de qualquer das formas não era esse o público-alvo, ainda que os cinco temas originais possam ser disfrutados com gosto por essa mesma audiência, híbridos que são do groove do jazz e de electrónica mais experimental. No meio estarão apenas aqueles que aqui viram um belíssimo disco.


Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com
20/04/2012