A estreia a solo de Capicua começou por nos chegar aos ouvidos através do single “Maria Capaz” (iniciais MC, perceberam?). E que começo foi. Praticamente um “Capicua ain’t nuttin’ to fuck wit”, é uma música cheia de personalidade, atitude e confiança, além do indispensável talento na gestão do flow das palavras. Admitindo que fui ao chão graças à força de “Maria Capaz”, o resto do disco foi ouvido com a ansiedade habitualmente reservada a lançamentos de artistas com outra história. O que saiu aos ouvidos foi um disco refrescante, e original na temática. Afinal, quantas vezes podemos ouvir alguém confessar que os seus cheiros favoritos são ”Pão quente, terra molhada e manjerico” num disco, de hiphop ou não?
Capicua é portuense, e isso não se nota apenas no sotaque. O estilo veloz de rimar, de dicção clara, e considerável fôlego, tráz à memória o estilo desenvolvido por outros conterrâneos como os Matozoo ou os Mind Da Gap. No entanto, “Capicua” não se trata de um disco puramente regionalista. As aliterações frequentes, por exemplo, são semelhantes a rimas de Sam The Kid (produtor de duas músicas). Além de que as produções a aproximam do próprio Sam, e de Xeg, que também é produtor neste disco. As preocupações de Capicua estão longe de ser credibilidade de rua, ou defesa da pureza de um certo estilo de hiphop. Nem por uma vez (YES!) a ouvimos mandar bocas aos “falsos” artistas de certos canais de televisão ou estações de rádio. Capicua sabe que tem que valer por ela própria, e uma das provas que o consegue é o facto de, em todo o disco, só tem um convidado (Nerve), e apenas numa só música. Ela carrega o disco às suas costas, sem por uma vez se notar que o peso é demasiado.
Instrumentalmente, o disco tambĂ©m prima pela frescura nos samples. Um piano aqui, uma guitarra acolá, umas cordas ali, um orgĂŁo algures, um baixo tocado ao vivo muitas vezes (Squarepusher e os Red Snapper ficariam orgulhosos), nenhum deles tornando Ăłbvia a sua origem. Imagina-se Darksunn, Sam The Kid, D-One ou Xeg a vasculharem discos comprados a 20 CĂŞntimos, e a extraĂrem deles aquele pedacinho de som que ergue uma mĂşsica em seu redor. E isto sem falar dos excertos de SĂ©rgio Godinho ou Elis Regina que tambĂ©m por aqui se ouvem.
“Os HerĂłis” Ă© mais uma mĂşsica sobre a precariedade dos jovens, que tanta falta faz, e que apesar do potencial radiofĂłnico nĂŁo parece um sketch como, infelizmente, o single mais recente de Boss AC, que atĂ© em publicidades já entra. “Casa No Campo” Ă© mesmo sobre isso, “Hora Certa” expõe sem medos as dĂşvidas que assolam o fim de uma relação, “Terapia De Grupo” Ă© o que Capicua recomenda a um paĂs ainda com muitos traumas do passado. Temáticas pertinentes e actuais, expostas com clareza, graça e destreza. Capicua Ă© formada em sociologia, mas por este disco merece claramente que sigamos com muita atenção a sua pĂłs-graduação nas artes do microfone!