Logo no arranque somos surpreendidos pela beleza estranha daquele som. Há, antes de mais, um drone tenebroso, seco, arrastado, que invade. Mas esse drone vai sendo moldado, ganha forma, vai-se tornando mais claro. Pouco depois perceberemos que estamos no território da surf music, daquela surf music clássica de guitarras açucaradas, mas num som mergulhado sob dezenas de filtros. “Death Surf”, o tema inicial, é assim uma estranha combinação de universos, aparentemente inconciliáveis. Ou, se preferirmos, uma espécie olhar para o passado, feita por caminhos pouco previsíveis.
Esteticamente este disco estará assim próximo das recentes correntes de raíz nostálgica e exploratória que estiveram em voga nos últimos anos - da “hypnagogic pop” de David Keenan ou da “hauntology”, pelo carácter evocativo e fantasmagórico (mas, antes que surjam dúvidas, claramente afastada da claridade pop da “chillwave”). Talvez esta conversa faça pouco sentido no preciso momento em que o hype já expirou o prazo de validade, mas vale sempre pela possibilidade de enquadramento, mesmo fora de tempo (e ainda é cedo para se poder falar de “pós-hypnagogic”, não é?).
Death Surf, o disco, funciona assim como quadro aglomerado de memórias, rascunho de sonhos difusos, nostalgia por um tempo de que pouco nos lembramos. Vindo de Itália, este projecto tem como característica essencial a incorporação de elementos locais - especialmente das bandas sonoras épicas, de Ennio Morricone a Sergio Leone - o que reforça o seu carácter distintivo (o título “Spaghetti Wasteland” já é suficientemente explícito). Independentemente do hype, este trabalho do duo Heroin in Tahiti tem validade por si mesmo. Extremamente recomendável para quem aprecie fins de tarde entediantes num qualquer verão eterno.