Era uma vez uma menina a quem os pais chamaram Elizabeth Grant. Um dia saiu de casa, gravou um disco, ninguém quis saber, e nunca mais ninguém a viu.
A parte da tragĂ©dia está despachada. Chegou a hora de fazer a pergunta que toda a gente quer fazer. Nomeadamente, quem Ă©s tu, Lana Del Rey? Como chegaste atĂ© nĂłs com um nome e visual de estrela tĂŁo perfeitos? Algo que, por mais que respondas e tentes clarificar em entrevistas, nunca terá respostas Ă altura das perguntas que se formularam desde que “Video Games” desceu Ă Terra. E a seguir? És a Lady Gaga ou a Hope Sandoval? És personagem de filme de Sábado Ă noite na RTP2, ou Domingo Ă tarde na SIC? És o par romântico ou a femme fatale? SĂŁo difĂceis as respostas, mais uma vez. Talvez porque Lana Del Rey, no fundo, nĂŁo esteja situada em nenhum destes parâmetros. Seria simples demais.
NĂŁo nos enganemos quanto Ă temática. Os quatro temas principais de Born To Die sĂŁo trĂŞs: amor e sexo. Nada de novo, pois. O que torna, ao contrário do que se possa pensar, aumenta o enigma de Lana. É a conquistada ou a conquistadora? É controlada pela sua relação, ou finge apenas deixar-se controlar? Pensámos que há tanto de imaterial, de inalcançável em si. Mas depois chama a alguĂ©m “Light of my life / Fire of my loins” (“Off To The Races”). A pop nĂŁo teve sempre o direito de ser tĂŁo frontal. Mas quem sabe Lana seja mais ligada ao r&b, na Ă©poca em que este cada vez mais conquista liricamente a pop. Ouça-se o seu fraseado, a forma como as palavras pingam umas nas outras, o acompanhamento musical que parece opulento, mas faz-se com tĂŁo pouco. Há pouco mais que cordas, piano e bateria em todas as mĂşsicas. Mas o beat nĂŁo marca o tempo apenas. Tem algo de hip-hop, de new jack swing. Talvez se um produtor r&b moderno, ou mesmo um cantor como Drake, largasse os sintetizadores (nada contra estes, atenção) e contratasse uma orquestra, saĂsse algo assim.
Já que mencionei “Off To The Races”, falemos tambĂ©m de “Blue Jeans”, de “Carmen”, de “Born To Die”, de “Million Dollar Man”. Há nelas ecos dos anos 60 e 70. Há nelas ecos de uma certa diva, caso esta perdesse o trovĂŁo que tinha na voz, mas ganhasse uma sexualidade latente. É que sĂŁo canções que facilmente poderĂamos transportar para a voz de Shirley Bassey nos tempos em que era convocada para fazer mĂşsicas para Sean Connery interpretar James Bond. Já a canção que tudo (re)começou, “Video Games”, Ă© obra-prima de languidez sonhadora e opulenta, e no entanto tĂŁo vĂvida. “This Is What Makes Us Girls” encerra Born To Die, falando do passado, do que Lana deixou para trás, da vida com as amigas que a fazia sentir como uma estrela. Chegou-lhe? Parece que nĂŁo. A mĂşsica como que anuncia o nascimento de uma diva. Algo que nĂŁo sabemos ainda se decorrerá. Afinal, ainda Ă© muito cedo, por mais bom que – e Ă© muito – Born To Die seja.
Born To Die tem vendido como pãezinhos quentes. E embora também seja muito cedo para o aferir, talvez no presente e no futuro se venha a ouvir de várias e vivas vozes, algo que faria Roberto Carlos orgulhoso: “Não quero saber da sua vida, da sua história, ou do seu passado / Lana Del Rey eu só quero ser, seu fã dedicado”.