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Jay-Z & Kanye West Watch The Throne

2011
Roc-a-Fella Records


Está um tipo relativamente bonito e solitário vestido com o seu hoodie preto sobre a cabeça, como de costume, a ouvir esta colaboração entre dois dos grandes enquanto escreve o texto sobre o mesmo, à vista de três colegas universitárias com quem nunca irá falar por vergonha. Vai sentindo o beat a bater forte, aplaude os versos em catadupa, identifica cada sample que não conhece com recurso à internet para ir ouvir os originais mal possa.

(Sabes que se tirares essa merda da cabeça és capaz de ter mais sucesso, não sabes?)

E de repente ocorre-lhe um pensamento semi-bélico, virtude dos seus ideais anarquistas de pacotilha e de teenager borbulhento: «espera lá, como posso falar bem do Jay-Z depois daquela filha da putice de se aproveitar do movimento de ocupação a Wall Street? Quero mais é que ele se foda».

(Ya, é tipo as camisolas do Che Guevara, n'é? «Eu não sei quem é este tipo mas os meus amigos dizem que é fixe»)

E pode-se incluir nesse pacote o Kanye West, que continua a ser um arrogante e um idiota de merda, ainda que discurse sobre o quão triste é estar no topo ou uma cena do género. Ya, deve ser uma chatice do caraças. I feel your pain, bro.

(Os Sonic Youth é que sabem, Kill Your Idols)

O problema, convenhamos, é que tanto um como o outro têm razões para serem arrogantes - continuam a fazer música do caralho. E, consequentemente, têm todo o direito a ser o mais ricos possível, a comer as gajas que quiserem, a roubarem o que lhes der na real gana, e seria de todo estúpido e hipócrita condenar a arrogância de ambos quando se é fã confesso de José Mourinho. Assim sendo, o anarquista esconde-se de fininho e fica o tipo envergonhado que gosta de música.

(Oi? Estás é a vender-te, palhaço! Pede desculpa e sai!)

Não, consciência, não saio porque ainda tenho de falar sobre o disco. Além disso, quando é que um rapper NÃO foi arrogante? Aliás, uma das melhores cenas do hip-hop é a medição de pilas que existe em cada disco - o show-off, quando é bem feito, tem sempre graça, digam o que disserem. Se assim o é quando se trata de um só cabrão, imaginem quando surgem dois: uma barrigada de riso e rimas do caraças. Começa no próprio título do disco, alcança uma espécie de zénite em "Niggas In Paris" e "Murder To Excellence" e desagua em "Illest Motherfucker Alive". Pelo meio há ainda uma malha tão francamente boa como "Why I Love You", que vai resgatar os Cassius para fazer de 2011 um ano melhor.

(Podes começar a deitar fora os teus livros do Vaneigem, pseudo-burguês da puta que te pariu!)

Para quê ler livros quando se pode ouvir isto? E não é tudo, porque para além das duas vozes que se conjugam como se os seus donos fossem não bons amigos mas irmãos gémeos, Watch The Throne tem uma produção incrível do início ao fim, já o disse. O nível é essencialmente uma extensão daquilo que no ano passado fez de My Beautiful Dark Twisted Fantasy um dos grandes discos da década, com direito a 10.0 na bíblia indie e tudo. Não se pode ser insultuoso quando até o falecido Otis Redding dá uma perninha e tudo.

(Sabes que mais? Fode-te, sê um vendido, quero lá saber)

Watch The Throne é prova de que o rap norte-americano continua a gostar dele próprio, mesmo depois dos focos de resistência à über-produção sentidos com Goblin ou com explosões underground como Death Grips. É um disco para quem gosta da cultura pop, principalmente da pomposidade pop. É um disco para quem é fã a sério de um (ou dois) músico(s) e não apenas um mero ouvinte. É uma colaboração que resulta em pleno: e, como tal, não se pode senão aplaudir. Venham mais destes.

(Olá, sou a voz do Jello Biafra a ecoar-te no cérebro. Foste despedido do punk. Cumps.)

... oh, foda-se : (


Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com
16/11/2011