Num tempo em que a globalização (musical) tantas vezes rima com repetição e em que os sons comprimidos no formato mp3 se acumulam num amontoado indistinto de ficheiros, como agulhas perdidas num palheiro gigantesco, apetece perguntar: serão as periferias o último reduto da criatividade, a derradeira réstia de território menos explorado? Sejamos sinceros. Nunca deram por vocês a pensar que uma grande percentagem das bandas que por aà se ouvem (das comercialonas à s indies – termo que deveria ser banido ou substituÃdo, por ter perdido o significado, de tão abusado e tantas vezes repetido sem nexo) soam todas ao mesmo? Nos grandes centros mediáticos, o excesso de atenção cria e destrói fenómenos à velocidade com que o Messi deixa adversários pelo caminho, impedindo potenciais novos estilos ou tendências prematuras de saÃrem da incubadora; e raramente há tempo para amadurecerem. O que já não se verifica tanto em Luanda, no Mali (não será por acaso que membros de Tv On The Radio participaram no último álbum dos enormes Tinariwen) ou Lisboa.
E os Buraka Som Sistema são uma prova-viva disto. Partiram duma base musical surgida em Angola e trabalharam-na duma forma que, como os próprios afirmam, apenas poderia suceder na capital portuguesa. Se em From Buraka To The World, ou mesmo ainda em Black Diamond, o rótulo do “kuduro progressivo†lhes surgia colado com alguma naturalidade, Komba confirma que a capacidade deste colectivo em absorver as mais dÃspares influências é uma ferramenta para criar algo novo e seu, com potencial explosivo para agitar ainda mais as pistas de dança e os palcos internacionais. E só isso explica que, entre tantas colaborações e estilos presentes neste disco – laivos de kuduro, sim, mas também moombahton e diversas outras tendências electrónicas –, seja possÃvel manter-se intacta a identidade autoral da banda, agora reforçada pela presença de Blaya.
Desde o Alô ouvido em “Eskeleto†até à despedida, feita com “Burakaton†(exercÃcio lascivo na companhia dos colombianos Bomba Estéreo), Komba é festa selvagem e sem concessões, daquelas que só acabam depois de os vizinhos chamarem a polÃcia. Há singles que são o equivalente sonoro da dinamite – a trepidante “Hangover (BaBaBa)†ou o hino imediato “(We Stay Up) All Night†–, espaço para se aproximarem do formato canção (na magnética “Voodoo Loveâ€, com as participações de Sara Tavares e da jamaicana Terry Lynn) ou para virarem o feitiço contra alguns feiticeiros em “Lol & Popâ€, reflexão onde respondem a certas crÃticas com sentido de humor. Momentos menos inspirados são poucos (“Vem Curtir†ou “Hypnotizedâ€), e quase passam despercebidos no meio de tantos motivos para celebração. Mais pagão do que religioso, este Komba é um ritual que vamos repetir muitas vezes.