O século XX da pop está pejado de histórias assim. Bandas ou artistas que vivem num determinado tempo e lugar, compõem um disco, e que são sobejamente ignorados pelos seus contemporâneos, mas que, anos mais tarde, são descobertos por alguém numa prateleira empoeirada ou num blog perdido, e esse alguém faz rodar as engrenagens da máquina do hype, fazendo com que a banda/o artista encontre(m) finalmente aceitação, seja na geração seguinte à sua (como no caso, por exemplo, de Vashti Bunyan) ou fora da sua zona franca (como muito do psicadelismo nipónico, sendo que o exemplo mais recente é o dos Boris, relativamente desconhecidos no Sol Nascente). Aliás, nem precisamos de nos deslocar até ao underground, já que é certo e sabido que só na Alemanha é que o David Hasselhoff é considerado um músico a sério. No entanto, mesmo numa época em que tudo é hype, os Disco Inferno ainda não têm o reconhecimento que merecem, salvo da crÃtica especializada, que os acompanha desde os anos 90 em que surgiram; quer no caso dos arqueologistas do vinil ou dos bloggers sem vida, o trio de Essex passa ao lado de bastante gente.
Talvez não seja possÃvel classificar as razões para tal facto como misteriosas. O som dos britânicos não é aquilo a que se poderia chamar "fácil", ainda que contenha elementos identificáveis para (e apreciados pela) maioria da população. Exemplo concreto, "It's A Kid's World", que mistura Iggy Pop e Dartacão como uma criança imagina os seus personagens de desenhos animados preferidos todos juntos num só sÃtio a viver as mais fantásticas aventuras. Esse lado kitsch e infantil, de tudo querer abarcar, que no caso dos D.I. é a união entre o sampling e as guitarras do pós-punk, tem deixado melómanos mais acérrimos à nora desde que D.I. Go Pop saiu em 1994, mas o seu público termina aÃ. Não querendo de todo dizer que deviam estar no topo das tabelas de vendas ao lado da Adele, é no mÃnimo estranho que não encontrem espaço junto de fãs dos Joy Division - por um lado - ou dos Mogwai - por outro.
Fala-se nos Mogwai porque o rótulo que mais vezes lhes é colado é o de pós-rock, mas a semelhança termina no epÃteto. Muito tenuamente poder-se-ão traçar paralelos, no que concerne ao uso de samples, entre os D.I. e os GY!BE, mas nada que nos permita escrever uma árvore genealógica concreta. E "concreto" será precisamente o género mais aproximado com que poderemos definir os D.I.: musique concrète com guitarras. Mas, fora disso, são simplesmente uma banda pop. Ouça-se "A Rock To Cling To" e venha-se dizer que não é uma canção pop. Uma canção que soa como se estivesse prestes a desabar entre a amálgama de efeitos, guitarras e samples desconhecidos, mas uma canção pop. E que é prontamente substituÃda por "From The Devil To The Deep Blue Sky", nove minutos de metal a bater em metal enquanto um baixo faz o que lhe apetece, que é tocar uma melodia, ao fundo, em loop. E no entanto move-se, continua apelativo, continua surpreendente e continua a intrigar-nos enquanto objecto. Porque a verdade é que não soa sequer a algo criado na era pós-internet; é não só um artefacto fora do seu tempo como de todos os tempos. Ecoa levemente os oitentas na voz e guitarra de Ian Crause, abraça a tecnologia via sampling como foi um hábito dos seus noventas, e agora, no novo milénio, continua a soar a futuro. E aÃ, sim, estará a razão pela qual ainda se mantêm desconhecidos. A humanidade busca o futuro, mas tem-lhe temor.
Algo que se espera que mude com a reedição pela One Little Indian dos cinco EPs que a banda lançou entre 1992 e 1994 (a saber: Summer's Last Sound, A Rock To Cling To, The Last Dance, Second Language e It's A Kid's World), tudo num só disco. Se bem que em 2004, altura em que a cultura do download já dominava relativamente o mundo, relançaram os dois LPs mais brilhantes do trio - D.I. Go Pop e Technicolour -, e nada mudou. Esta nova oportunidade para se finalmente reconhecer o enorme valor e potencial dos Disco Inferno irá ter em "A Rock To Cling To", na fobia espástica de "D.I. Go Pop", nos Smiths a baterem forte em "At The End Of The Line", no 4/4 de "The Atheist's Burden" e - claro - em "It's A Kid's World" os seus principais argumentos. Ainda que em "Even The Sea Sides Against Us" (provavelmente autobiográfica), de D.I. Go Pop, Crause cante I don't expect to be seen / I don't expect to be heard, à terceira tem de ser de vez.