Existe uma lĂnha tĂ©nue entre o ingĂ©nuo querido e o ingĂ©nuo irritante? NĂŁo, nĂŁo existe! Porque há uma enorme zona desmilitarizada, onde o ingĂ©nuo Ă© simplesmente chato. Nessa zona, sentimos que gostarĂamos que a coisa explodisse de vez. Que, sei lá, aparecesse o Mike Patton a berrar ou o Thurston Moore e o Lee Ranaldo com as guitarras no volume 12. É que este Christopher Owens, mentor dos Girls, Ă© dose para qualquer um que nĂŁo tenha ficado a dormir desde 1955, e pergunte ao pai porque Ă© que as miĂşdas se põem aos gritos com o movimento pĂ©lvico do Elvis. NĂŁo se iludam. Aqui nĂŁo se passa da mĂŁozinha dada, por isso azar de quem for cĂnico, como este que vos escreve estas humildes linhas. Owens fez questĂŁo de dizer que viveu durante muito tempo sob a alçada de um culto religioso que lhe proibia a audição da mĂşsica pecaminosa. Ouvindo este disco, pergunto-me se ele já chegou a ouvir. Mas adiante.
Em “Father, Son, Holy Ghost” não se joga apenas ao jogo da inocência. Também nos podemos divertir muito a apontar o jogo do Lembra-Tal. “Honey Bunny” abre logo com uma frase que é “Fun Fun Fun” dos Beach Boys descarada. Só que auto-comiseração que envergonharia uma banda de punk-pop californiana. “Die” é Black Sabbath(?!?!?!?) com riffs que não envergonhariam Tony Iommi, e Pink Floyd mais à frente. Deve ser óptima para acabar concertos com grandes jams, tal como os quase 8 minutos de “Forgiveness”. “Myma” cruza os R.E.M de “New Adventures In Hi-Fi” com o bucolismo acidulado dos Mercury Rev. “Just A Song” termina a lembrar as produções deharmonia celestial de Dave Fridmann para os Grandaddy ou os Flaming Lips. “Love Like A River” é tão doo-wop dos 50s que assusta, e dará para muitos slows em certas discotecas. E “How Can I Say I Love You” seria rejeitada pelos Righteous/Everly Brothers por ser demasiado lamechas.
Como se percebe pela frase anterior, o tema aqui Ă©, basicamente, o amor, ou melhor, a ausĂŞncia dele. É o amor que proporciona o melhor momento do disco, os 7 minutos de “Vomit”, onde o intimismo vai alternando com jams, sons que encaixariam numa balada dos 80s, Hammonds e mais. É aqui que os Girls poderiam ser uma excelente banda, se Ă forma como Owens pronuncia as suas sĂlabas devagar com ĂŞnfase nas consoantes (veja-se como ele diz ”baby” em “Vomit”) se juntasse frequentemente a algo que a levasse a tirar os pĂ©s do chĂŁo. DaĂ para a frente, Ă© o aborrecimento que ganha por goleada. Tudo parece prolongar-se tempo demais, e o crĂ©dito inicial esgota-se muito antes de chegar o fim per se. Acaba por ser um alĂvio chegar ao fim de “Jamie Marie” e voltar a um estado mais alerta.
O facto de cada uma destas canções ter uma sonoridade de certo modo diferenciada irá beneficiar ”Father, Son, Holy Ghost”. Os Girls darĂŁo concertos para pĂşblicos entusiasmados, e Owens tornar-se-Ă uma espĂ©cie de porta-voz de muitos corações tĂmidos partidos, como um dia Stuart Murdoch ou Conor Oberst foram. O problema Ă© se esses corações resolverem um dia que podem: a) procurar as bandas que levaram os sons Ă s suas conclusões ilĂłgicas ; b) Dançar um slow mais apertado sem se envergonharem. Falta sangue a ferver a este amor.