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Biosphere N-Plants

2011
Touch / Flur


Geir Jenssen é um homem curioso. Para quem o vê, é curioso pela atracção que tem pela solidão e zonas áridas de gente, carácter reclusivo inerente à sua alma de norueguês, talvez. Para quem o ouve, isso não é razão de queixa, Geir é reponsável por um conjunto de obras marcantes na música electrónica na sua vertente mais ambiental, obras-primas como Substrata, que perduram e perdurarão para sempre neste planeta, de ouvidos humanos em ouvidos humanos e quem sabe um dia, ouvidos mecânicos, robóticos. Quem sabe? A verdade – e este novo N-Plants não é excepção – é que a música de Geir como Biosphere, tem Bio no nome mas sonoramente impera nela uma belíssima ausência de vida humana, salvo uma ou outra excepção. Mas é bio, sim, tem vida, ecossistemas, eles parecem é ser algo mais tecnologicamente assistido, ou algo alienígena ainda não bem compreendido.

Mas voltemos ao facto de Geir Jenssen ser um homem curioso. A sua curiosidade faz mover montanhas, até subi-las (já escalou o Cho Oyo nos Himalaias) e leva-o a paragens sonoras muitas vezes à volta do Círculo Polar Árctico, mas nem sempre. É o caso de N-Plants, onde o tema gira à volta do milagre económico japonês e da sua (até há pouco sólida) capacidade de produção de energia nuclear, base de muito desse crescimento. Geir achou curioso, numa das suas viagens, de ver muitas dessas centrais nucleares à beira do mar, com arquitecturas futuristas proeminentes sobre praias e costas ao longo do Japão. E mais curioso achou o facto de muitas delas estarem sobre zonas de grande sismicidade e vulnerabilidade perante possíves tsunamis, logo localizações instáveis e nada recomendáveis para tais centrais.

Igualmente muito curioso é tudo isto se passar entre 2010 e 2011, com o disco a ser produzido em Fevereiro, longe ainda de se tornar num objecto de curiosidade mórbida, porque infelizmente, a desconfiança de Geir tinha razão. Um mês mais tarde, em Março, acontece o acidente na central de Fukushima após um sismo e consequente tsunami. Uma tragédia que é impossível não nos passar pela cabeça enquanto nos passa pela mesma cabeça a maravilhosa música deste disco, ao nível do melhor de Biosphere, o que é o melhor elogio possível. Há quem fale de alguma germanização no som deste norueguês, talvez pela proximidade inspiradora, já que gravou este disco na Polónia, não tão longe assim de Berlim. Germanização aqui significa o carácter dançável de alguns temas, a repetição rítmica algo mais acelerada do que é mais natural no catálogo Biosphere. Mas termos inventados à pressão à parte, o que pulsa por aqui é a enorme capacidade de maravilhar deste veterano que um dia já congelava o mundo com os ritmos de Bel Canto (banda norueguesa de oitentas que vale a pena investigar). O que pulsa por aqui é a relação íntima entre Japão e Fausto, entre a prosperidade garantida e a venda da alma ao Diabo, tudo ao ritmo inicial de alarme em Sendai-1, imerso em água, qual radiação que se espalha ao longo dos vários temas, entre nomes de centrais nucleares e ocasionais vozes de aviso em japonês que no fundo, soam que já não foram a tempo.


Nuno Leal
nunleal@gmail.com
19/09/2011