Quando um músico resolve regressar ao activo após uma longa ausência, despontam desde logo várias questões em relação ao seu trabalho. Irá manter o mesmo grau de qualidade? Irá seguir pelos caminhos que traçou anteriormente? Ou irá, sob uma qualquer fachada de maturidade, enveredar por novas diligências artÃsticas que de tal modo se distanciam do que fez antes que já nem se pode falar da mesma pessoa? Claro que um fã irá desde logo pensar, simplesmente, no regresso em si, independentemente de vir a sofrer uma desilusão ou não. A crÃtica, a existir, surgirá sempre após a felicidade cega.
Todas estas questões estiveram presentes desde que Varg Vikernes lançou Hliðskjálf ainda dentro da prisão até sair da mesma em 2009. Após os dois álbuns de cariz ambiental que lá criou - álbuns esses cuja produção foi forçada por 1) uma onda de criatividade que teimava em querer sair e 2) o facto de não poder utilizar a boa e velha guitarra eléctrica entre grades (que até viria a desonrar, embora hoje se constate que foi só uma estupidez dita no momento), muitos foram os que acharam Varg desde logo acabado para o black metal e se viraram para outras cópias de maior ou menor interesse, os Drudkh e os WitTR desde logo à cabeça (estes até sendo de grande interesse, mas isso são outras histórias). E depois vem o regresso, em 2010, com Belus.
Belus tinha tudo para ser um grande disco de Burzum. O som continuava escondido sob uma camada de fuzz, o misticismo OdÃnico permanecia presente na criação e a repetição ao ponto da hipnose do ritmo ainda se fazia sentir. Ou seja, tudo o que se gostava anteriormente permanecia lá. O que era precisamente a sua maior falha: a falta de inovação. É verdade que o original é sempre melhor que a cópia, mas após termos ouvido bandas atrás de bandas que beberam da água Filosofem desde que este saiu há quinze anos, o pensamento não pode deixar de ser que estávamos perante algo completamente datado. Com a consciência de que era um disco de Burzum e que se tivesse vindo mais cedo muito possivelmente nos terÃamos empolgado com ele da mesma maneira que com os anteriores. Mas, enquanto regresso, soava aborrecido e sem riffs memoráveis que nos levassem a querer queimar igrejas.
E é essa ideia do riff memorável que faz de Fallen o regresso em força do projecto Burzum. "Jeg Faller", a faixa que sucede à tradicional intro ambiental, arranca em força e limpidamente entre os vocais melódicos e perceptÃveis (sacrilégio!) do druida Varg. Não existe aqui qualquer tentativa de esconder o insÃpido através do lo-fi, como é o caso de muitas das cópias de que se falava, mas sem que o nÃvel elevado de produção lhe retire a crueza. Que continua em "Valen", outro riff que merece um lugar no top 10 dos melhores momentos do norueguês, enquanto este alterna entre o semi-rugido e o canto épico presente no refrão - algo que, sem dúvida, irá afugentar ou afugentou muitos dos puristas do kvlt, mas esses não merecem mais que o mesmo desprezo que o próprio Varg lhes dá. "Vanvidd" aproveita o caos do thrash para resgatar vozes ao inferno, e "Budstikken", a mais longa das faixas aqui presentes, é um tema onde malha atrás de malha se vão entrelaçando entre momentos acelerados e outros mais contemplativos, como um exército avançando pelas linhas inimigas adentro. Acima de tudo nota-se que Fallen foi um disco pensado, e não uma mera ânsia de voltar a pegar numa guitarra como o parecia o seu antecessor. Presume-se então que Vikernes tenha reaprendido (se é que se esqueceu, diz que é como andar de bicicleta) a puxar das cordas para criar magia.
Fallen é um grande disco, e um grande regresso. Não só mostra Vikernes a abraçar um lado mais experimental e progressivo em detrimento da "verdade" como é uma bofetada completa a quem fez de Belus uma salvação que não existia (sem negar que mesmo esse disco tem momentos interessantes). Ainda sem ser algo que se possa chamar de "clássico", oferece boas perspectivas para aquilo que pode ser a vida após a prisão - ou após Filosofem. Enquanto isso, nenhum templo religioso estará a salvo.