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Sightings Future Accidents

2011
Our Mouth


Se num golpe de abstraccionismo parvo a cabeça disparar para a conjectura de um entidade tricéfala de características místicas, seria provável que os Sightings viessem a ocupar um espaço mental onde coabitem de modo hermético as histórias dos três porquinhos com a lenda do milagre de Fátima. Desta feita, não foi a santa que apareceu em cima da oliveira, mas sim um lobo mau que não poderia prever o arraial de porrada que Mark Morgan, Richard Hoffman e John Lockie lhe espetaram. Invertendo a lógica fusionista de um ethos, os Sightings sempre souberam reaproveitar aquilo que de mais perigoso o rock tinha, para fazer de todo esse nervo algo novo. Sem merdas reverentes nem paleio pós-moderno.

No início, pareciam habitar naquele nicho onde a fórmula “vale tudo menos o lava-loiça†era o fim último para o confronto. Uma displicência que separou, desde logo, os homens dos meninos ofendidos pelo escarcéu. Apesar da estreia homónima resvalar para um plano unidimensional, refém da falta de uma falta de dinâmicas gritante, Michigan Haters deixou patente que existia muita música nas cabeças do trio norte-americano. A transversalidade de um género que já morreu tantas vezes (para ser “ressuscitado†por falsos profetas) ganhava uma personalidade disforme, singular na sua apetência por devorar os detritos mais estrepitosos daquilo que interessa para os regurgitar com recurso ao alto volume.

Tudo isso ficou claro na entrevista concedida à defunta Mondo Bizarre antes do lançamento de Absolutes, com Richard Hoffman a revelar-se bem mais consciente das referências que habitavam o campo sonoro dos Sightings (Damaged, Xenakis, US Maple ou Kollaps) do que muitos poderiam supor vindo de alguém que também afirmava que a essência era beber cerveja e tocar muito alto. Poderia ser, mas existe um limbo entre a diversão que fazer barulho pode trazer e todo o cálculo mental no reordenamento das coordenadas até lá, que torna o todo bem mais entusiasmante. Contradições? Só na cabeça de alguns.

O sucedâneo da sua obra enfatizou esta mesma ideia, numa constante renovação (não será tanto depuração) em álbuns como Arrived in Gold ou City of Straw (com o intrigante End Times algures pelo meio) a explorarem acessos rítmicos que tanto poderiam dever à funk-concréte dos Can como ao groove do Post-Punk, referências destrutivas ao Surf-Rock ou aproximações à austeridade da electrónica alemã em cores encardidas. Todo um mundo de opções flutuantes que se imiscuíam em visões de um nada de valor.

Future Accidents calcorreia novamente essa terra de ninguém em passadas mais dormentes, e mais interessantes no seu andar langoroso do que em álbuns mais recentes. Dos 40 minutos desta edição da Our Mouth (por onde andam os Mouthus estes dias? Divisionals deixou vazio) apenas a primeira metade (correspondente a três delas, no entanto) se assemelha ao formato canção dinamitado pela banda em malhas tão incríveis como “Perforated†ou “Bishopsâ€, com a excursão de “Public Remains†a ocupar todo o lado B.

“To the World†abre o disco como “Tar and Pine†o fez para City of Straw. O stomp cavernoso em câmara lenta de Lockie a servir de fio condutor para a voz preguiçosa de Morgan organizar um fluxo de ruídinhos metálicos e estalos de guitarra a anunciar o caos falso, que se materializa mais à frente em camadas desconcertantes que fazem todo o sentido no choque. Uma tenacidade que tem em “The Knotted House†um pulso mais punk, como que a lembrar que ainda existem lições a aprender com No New York que não passam pelo pastiche provocador.

“On a Pedestal†faz um lamaçal daquilo que o precedeu, sem desvirtuar toda uma riqueza harmónica que urge no turbilhão. Gente que aprendeu a fazer do ruído algo bem mais intrincado do que um monólito bruto que recorre ao atonalismo como estratégia vazia. O savor faire ao serviço de ideias maturadas no entusiasmo que três instrumentos podem sacar quando sujeitos a uma manipulação subversiva mas auto-consciente. Ou três das melhores canções da banda em tempos recentes.

Apesar de tudo, são os quase 20 minutos de “Public Remains†que vêm coroar com audácia estes “acidentes futurosâ€. Longa travessia por uma terra de ninguém, “Public Remains†é uma peça (ai que pretensão) que faz jus ao seu título. Como se pegasse nos escombros possíveis depois do caos para os reordenar numa paciência de vaca sem rumo definido. Notas lânguidas entre-cortadas por pequenos acontecimentos indefiníveis que se revolvem continuamente sem definhar na estaticidade droney, mas alimentando essa mesma ideia como via para a tensão. Sem paralelo óbvio com aquilo que se lhes reconhece, mas assente nesse mesmo léxico, poderão estar aqui as sementes de Future Accidents de uma banda imune a uma sequência lógica/previsível.

Mesmo que o erro tenha desde sempre sido aceite pela banda como método para a criação, é difícil apontar o acidente como algo determinante num todo tão escrupulosamente laborado. Future Accidents é, como sempre foi, música sem lugar definido de três gajos que já não têm nada a provar. Nem será o melhor disco deste ano, apenas mais um tomo admirável da melhor banda de rock (rock, caralho!) do mundo. Toda a gente já deveria saber isso.


Bruno Silva
celasdeathsquad@gmail.com
08/06/2011