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Atari Teenage Riot Is This Hyperreal?

2011
Dim Mak


Um bom tema para um sociólogo ou aspirante a tal será tentar perceber porque é que de um momento para o outro se tornou "mau" ou "fora de moda" criar música com uma forte componente política. Nos últimos anos tem-se assistido a um certo estado de alienação que, salvo algumas excepções consignadas ao punk ou àqueles que já o faziam antes (os Muse não são para aqui chamados), atinge todos os espectros do umbrella term que é a música pop, longe de qualquer discussão em torno do underground/mainstream, já que a falta de Bob Dylans ou Ian MacKayes atinge tanto o top 40 como o campo alternativo. E não há como não negar a estranheza de tudo isto, principalmente quando os tempos são precisamente de crise e da revolta que vem sempre por detrás. Em contraponto, poder-se-à argumentar que no chillwave existe na verdade uma forte componente política, pois que é música pop feita por quem não tem acesso aos meios de produção das grandes estrelas - a.k.a., as classes desfavorecidas a querer fazer valer a sua voz. Mas em termos da mensagem, a não ser que tal se faça subtilmente, a política deixou de ter o seu espaço na canção.

E então regressam os Atari Teenage Riot. Uma banda que jamais teve vergonha de se assumir politizada, resvalando até por vezes para o terreno do anarco-juvenil, mas nunca negando que os seus ideais eram parte inseparável da sua música - música que nasceu, inclusive, após os célebres conflitos que opuseram os ravers ao sistema instituído. E começamos desde já por afirmar: Is This Hyperreal? é um álbum com um som datado. Felizmente que nenhum dicionário nos dará a definição de "datado" como "péssimo". Aquilo que nos levou primeiro aos ATR - a batida forte, os sintetizadores retro-futuristas na melhor tradição cyberpunk e as guitarras gamadas ao thrash soam tão bem hoje como soavam em 1995. O que é sempre de salutar, e que os coloca num patamar bastante superior ao daquelas bandas que enceta um regresso anos depois de se terem retirado e acabam sempre por cheirar a mofo; a música e, principalmente, a mensagem dos germânicos acaba por ser tão relevante agora como foi ontem. E isto não é hype, são factos reais.

A mensagem, então, para se ouvir bebendo um cocktail molotov: a luta incessante contra a corrupção, a favor de um sistema sem líderes e, principalmente, contra a falta de liberdade que se quer impôr à internet - ou não se ouvisse, ao início de "Black Flags", uma bonita referência a um certo "grupo" tornado famoso por um fórum pouco recomendável que é talvez a prova maior de como a internet pode gerar uma revolução ou no mínimo uma bandeira. Não podemos deixar de salientar uma certa contradição com o que se disse anteriormente sobre alienação quando temos em conta que se aliaram à Dim Mak de Steve Aoki, cuja marca de electro house hedonista será igualmente responsável pela mesma. Mas é um mero acaso que não faz dos alemães hipócritas, e qualquer pensamento nesse sentido é de imediato abafado pelo mote de "Activate!": Music is a weapon, sounds like a threat / Let the bass terrorise there’s no turning back!. Não será a revolução uma festa?

Ainda que do original só reste mesmo o cabecilha Empire, Nic Endo encontra aqui um papel deixado em branco pela saída de Hanin Elias: o da riot grrl enérgica e carregada de espírito, como em "Blood In My Eyes", onde a faixa é toda sua, ou no refrão gritado em conjunto de "Black Flags". Mas será no peso de "Re-Arrange Your Synapses", que se destaca por ser uma diatribe contra a própria internet que querem resgatar das mãos burocráticas e corporativistas, que Is This Hyperreal? encontra o seu tema de maior expressão. "The Collapse Of History" encerra o disco de forma épica e com o domínio final da máquina, ecoando ao mesmo tempo a enorme "Destroy 2000 Years Of Culture" de The Future Of War". O regresso dos ATR, que talvez até se tenha receado pelos motivos expostos, não é então nada de insatisfatório. Continuam a lançar frases para se escreverem em cartazes e/ou grafitarem nas paredes, continuam a compôr malhas raise-your-fist-in-the-fucking-air próprias para se reclamarem as ruas, e continuam a soar a eles mesmos - nada mais, nada menos. Que comecem os motins!


Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com
31/05/2011