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Panda Bear Tomboy

2011
Paw Tracks / Flur


O que poderíamos esperar depois do brilhante/alucinante Person Pitch? Tratando-se de Panda Bear, figura tutelar da música criativa do início do século XXI, membro dos Animal Collective (AC), a mais importante banda - pop-rock/tudo à volta - da década 00, a expectativa era enorme. E o sucessivo adiamento da edição foi aumentando essa expectativa, cada vez mais perigosa. Já sabíamos que vinha aí material substancialmente diferente: foram os singles, saindo às pinguinhas; foram os youtubes das músicas ao vivo, vistos repetidas vezes. E foram, sobretudo, aqueles dois concertos: primeiro, no Lux em Fevereiro do ano passado, aquela completa estranheza/desilusão; depois, no Out.Fest em Outubro, a reconciliação, a familiaridade com algumas daquelas canções.

Apesar das novas misturas e dos temas inéditos, nem à primeira audição Tomboy soa desconhecido, desde logo parece muito cá de casa. O disco nasce no arranque lento de “You can count on meâ€: a voz embrulhada num efeito fantasma, às voltas, estranhamente viciante. Entramos depois numa impressionante sequência de quatro temas incríveis. “Tomboyâ€/“Slow Motionâ€, dupla desvendada logo ao primeiro single: o primeiro a deixar o coração aos pulos; o segundo a abrandar um pouco (não muito); segue-se “Surfers Hymnâ€, mais próxima do universo AC, irrequieta, trepidante. Aquele início de disco diabólico culmina com “Last Night at the Jettyâ€, que cresce devagar mas vai desembocar no intenso refrão “I know, I know, I know, I know...†- talvez a mais brilhante do disco, uma daquelas que dá vontade de cantar ao vivo.

Os cinco temas iniciais já chegavam para justificar a existência do disco, mas Tomboynão se fica por aí. Há uma pausa com “Drone†(o nome é auto-explicativo) e a animação regressa com “Alsatian Darn†e o seu refrão que parece, novamente, roubado a AC – outro dos temas mais memoráveis do álbum. O ritmo desce com “Scheherezadeâ€, momento introspectivo, voz sobre um piano soturno. Voltamos a subir com “Friendship Braceletâ€, primeiro mais devagar, depois acelerando com “Afterburnerâ€, coisa que (quase) daria para dançar em qualquer lado.

O final chega com o épico “Benficaâ€. Valeu a espera: “some might say that to win is not all that it's about (...) but there is nothing more true or natural than wanting to winâ€. Apesar da lentidão, a melodia tem a grandiosidade épica de um hino, apoiada pelas vozes dos adeptos em fundo, em perfeita fusão. Podíamos evocar milhares de metáforas, mas a música vale por si só. Em havendo justiça no mundo esta maravilhosa canção merecia passar nos altifalantes do Estádio da Luz, antes dos jogos.

Intrépido, Noah Lennox arriscou, mudou a táctica. Muito longe vão os tempos do iniciático disco homónimo, de 1998 editado na sua editora Soccer Star (belo nome), longe já vai Young Prayer (muito colado à fase folk-experimental dos AC) e também já passaram quatro anos desde o bem sucedido Person Pitch. Na verdade, apesar de não o ser oficialmente, este Tomboy sofre da “síndrome do segundo discoâ€, uma vez que Person Pitch consistiu no verdadeiro momento de revelação e popularidade (relativa). Onde esse foi disco de Verão, colorido, intenso, alegre, Tomboy é disco de meia-estação, por vezes mais próximo da Primavera, outras vezes no Outono, sempre difícil de catalogar. Menos directo, menos imediato, este é também um disco mais diverso, mais cheio.

Aqui não há canções tão fáceis, não há um clássico imediato como “Brosâ€. O método de produção foi diferente, agora não temos uma avalanche de samples, o material foi sendo criado e trabalhado de raíz. Se o processo mudou, o mesmo aconteceu com o resultado. Apesar de todas as mudanças, continuam as características que moldam a intemporalidade da música de Panda Bear: a inevitável associação às harmonias Beach Boys, a sobreposição de múltiplas camadas de som, trabalhadas como quem manobra filigrana. E, acima de tudo aquilo que se possa definir, a música vive numa indescritível irresistibilidade. Tomboy é um disco diferente, um conjunto coerente de canções que, parecendo de início discretas, crescem, se agigantam. Mesmo mudando a direcção, Noah Lennox não perde o rumo. Sabemos que podemos sempre contar com o nosso Panda.


Nuno Catarino
nunocatarino@gmail.com
15/04/2011