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2562 Fever

2011
When In Doubt


O produtor holandês Dave Huismans, manobrador da máquina rítmica de modelo 2562, gosta de se auto-impor desafios criativos. Em 2004, no âmbito do projecto paralelo A Made Up Sound (dedicado ao techno), concebeu o álbum Shortcuts (editado apenas em 2008) sob a estrita regra de gravar uma faixa por noite, ou seja, 20 faixas, 20 noites, segundo reza a lenda. Desta feita, na criação do terceiro capítulo enquanto 2562, obedeceu à auto-limitação de utilizar somente sons provenientes de produções disco do final dos anos 70, início dos anos 80, ao que não será alheio o título do álbum e o facto de o próprio Huismans ter nascido em 1979 (atente-se também no melómano precoce a gatinhar na capa, que é maravilhosa).

Ao passo que A Made Up Sound explora os territórios do techno, 2562 é conotado com o dubstep, sobretudo desde o advento de Unbalance (Tectonic, 2009), o disco que lhe granjeou aclamação entre os apreciadores da música electrónica em geral e do dubstep em particular. Já não se tratava, porém, daquela sonoridade negra e narcótica trazida por Kode9 + The Spaceape, através do álbum fundador Memories of the Future (Hyperdub, 2006). Devia mais a Burial e Skream, partindo da mesma batida quebrada (reminiscências do broken beat que em temos reinou no oeste londrino) para desembocar noutras linguagens rítmicas: house, techno, disco, hip hop, funk, tudo e mais alguma coisa.

Multiplicidade conceptual que é exponenciada ao máximo em Fever, acabado de lançar com o selo da When In Doubt (nova editora de Huismans), onde tudo parece simultaneamente estranho e familiar. Reconhecemos os elementos sonoros mas a forma como são descarnados, reestruturados, cadenciados, como que revoluciona a sua fruição sensorial. Com 2562 entramos no universo fragmentado do pós-dubstep, sob o signo da hibridez conceptual. É uma época de transição, a caminho de algo desconhecido, gerador de receios e ansiedades. Na música como na sociedade, na política, na economia. Um disco magistral para tempos que se revelam não menos fascinantes.


Gustavo Sampaio
gsampaio@hotmail.com
13/04/2011