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Peaking Lights 936

2011
Not Not Fun


Dos primĂłrdios a vasculhar no fosso de alguma da mĂșsica mais entusiasmante saĂ­da do subterfĂșgio norte-americano, dispersa numa cartografia pejada de splits e cassetes rafeiras, o caminho calcorreado pela Not Not Fun tem vindo a conduzi-los com a segurança possĂ­vel neste limbo em direcção Ă  Luz. Ressonante para com uma actualidade que aceita de bom grado o lo-fi acolhedor de Ducktails ou Autre Ne Veut paredes meias com o stardom pĂłs-Animal Collective/Black Dice/Gang Gang Dance. Marca d`ĂĄgua de que a lama que pariu gente ruidosa como os Robedoor, Ghosting ou Heavy Winged serviu tambĂ©m de Ăștero para a falsa febre tropical de Heavy Deeds dos Sun Araw ou para os fractais 80's de LA Vampires e Matrix Metals. AtĂ© a reverĂȘncia pĂłs-new age do nosso Magina ou o psicadelismo solitĂĄrio on the road de Dawnrunner de Swanox encontram pontos de contacto neste contĂ­nuo que do Noise pode chegar a todo lado de um modo igualmente aventureiro e confortĂĄvel.

No centro de toda esta indecisĂŁo fixe (que reconhece um legado volĂĄtil onde coabitam sobre o hiss toda a alta e baixa cultura possĂ­vel) estĂŁo os Peaking Lights. Duo do Wisconsin que com Imaginary Falcons saltou decididamente dos confins do tape trading para aquela exposição considerĂĄvel de sites como o Tiny Mix Tapes ou o Gorilla Vs Bear. Um aceitamento natural tendo em conta o “potencial pop” (note-se as aspas) de “Silver Tongues, Soft Whispers” ou “All the Good Songs Have Been Written”. Na verdade, as pĂ©rolas maiores residiam em segredo nas cançÔes-fluxo de Two Songs For Ceremony, mas tambĂ©m nĂŁo haviam razĂ”es determinantes para embirrar com com as hesitaçÔes sonhadoras de Imaginary Falcons.

936 repisa as tentativas cancionistas do seu precedente para um resultado final mais coerente e de propĂłsitos mais vincados. Curiosamente, essa virtude dĂĄ tambĂ©m azo Ă s maiores resistĂȘncias perante o ĂĄlbum. Torna-se impossĂ­vel aceitar tranquilamente uma mistura low cost que projecta a voz desinteressada de Indra Dunnis para a frente, ao mesmo tempo que torna discernĂ­vel a infecciosa malha de baixo sobre uma manta de guitarras e sintetizadores em delay em “All the Sun that Shines”. Quando Dunnis canta ”All the sun that shines / shines for you” como se se estivesse a cagar para esse mesmo Sol, o efeito nĂŁo deixa de estar prĂłximo do torpor doce/enjoado dos High Places com um maior conhecimento de tĂĄcticas dub. O espaço necessĂĄrio.

Em “Amazing and Wonderful”, Dunnis procura encarnar a coolness apĂĄtica da Kim Gordon dentro de um mar de reverb, sem atingir uma hipnose que, pelo seu lado etĂ©reo, se acerca do daydreaming dos Stereolab. “Key Sparrow” habita esses recantos de sonho sem se preocupar com a clarividĂȘncia dos arranjos space age. Quando uma banda vinda do pardieiro afirma no seu myspace que faz reggae, Ă© sinal de que sĂŁo as inflexĂ”es dubby aquilo que melhor sabem fazer. O baixo em excursĂŁo narcĂłtica de “Tiger Eyes (Laid Back)” Ă© prova disso mesmo, ao fazer dela a melhor malha do disco, sem a pretensĂŁo de se afirmar uma canção de pleno direito. Antes um descontraĂ­do fluxo mutante sem ponto de chegada.

Fluxo que toma a forma de uma autobahn nocturna em “Marshemellow Eyes”, num contraste luminoso com a falsa tropicalia de “Summertime”. Soterrando os ritmos gingĂ”es caracterĂ­sticos do paraĂ­so que acolhe as exploraçÔes mais recentes de Spencer Clark em Monopoly Child sob a cadĂȘncia reverberada do reggae, “Summertime” apanha o VerĂŁo pela nostalgia, enquanto canta ”Summer, somewhere, someone”. Ou como o VerĂŁo Ă©, afinal, um estado mental, adaptando as palavras de Pedro Rios.

A manta de efeitos que prevalece ao longo de 936, dissipa qualquer estado lĂșcido para um anagrama com lĂșdico, numa alusĂŁo ao estado de espĂ­rito que o legisla. Admire-se essa postura e atĂ© uma banda com nomes tĂŁo fofinhos para as mĂșsicas se reveste de uma faceta intrigante.


Bruno Silva
celasdeathsquad@gmail.com
03/03/2011