Requisitar manifestos que inventem a roda a toda a hora Ă© um claro exagero, ainda para mais nos dias que correm. A novidade Ă© cada vez mais efĂ©mera. E descobrir alma e talento genuĂno Ă©, de forma crescente, uma tarefa complexa e demorada. A surpresa arrebatadora Ă© uma raridade. E boas surpresas, algumas discretas por natureza, sĂŁo amiĂşde relegadas para segundo plano de atenções a favor de hypes infecundos, nada justificando serem nesciamente ignoradas quando se vislumbra com clareza um par de ideias geradas com vinco de autor nos recantos recĂ´nditos dos chamados undergounds. Sem ser o verdadeiro argonauta, e no convir de boas ideias merecedoras de proporcional indagação, está um novo e interessante nome de um norte-americano a residir em SĂŁo Francisco: Paul Salva.
O seu pertinente disco de estreia, Complex Housing, Ă© no seu curto tempo de duração, uma boa tentativa de murro no estĂ´mago para acabar com enjoos criativos, dizendo muito em pouco tempo. O tĂtulo começa por sugerir alguma complexidade arquitectĂłnica. E as primeiras escutas confirmam essa ideia. Mas nada de bichos-de-sete-cabeças. Numa variedade estilĂstica – a pujar uma produção proficiente capaz de socalcar o terreno mais irregular – que tanto nos remete para lembranças do house de Chicago ou o IDM mais profĂcuo da Warp de 90 num encontro formal com os ideais de um dubstep solarengo, o hip-hop tresmalhado da west coast ou um ensopado de beats funky-break-garage-broken, Complex Housing – com temas com uma invulgar mĂ©dia de 3 ou 4 minutos – Ă© uma interessante demonstração nĂŁo da economia de recursos mas sim de uma colheita rica em recursos numa invulgar e propositada economia de tempo. Uma clara virtude em dias de exageradas redundâncias na programação – que este disco, ironicamente, tambĂ©m exibe por contraste, nĂŁo directamente pela mĂŁo de Salva, mas por umas quantas remisturas inĂşteis de uns quantos convidados estĂ©reis que aparecem, felizmente no fim, para "encher o chouriço".
Iluminado e luminoso, Complex Housing sabe recuperar com charme – e para proveito prĂłprio – o clássico house “I’ll be Your Friend” de Robert Owens (1991) com o intuito de o tornar num convite geral para um sofisticado pardieiro onde as diferenças estilĂsticas sĂŁo cilindradas em nome da coerĂŞncia dos ideais de um homem que quer marcar a diferença. Complex Housing Ă© uma agradável surpresa que, nĂŁo fosse a alguma formalidade a sufocar ocasionalmente a fluidez da espontaneidade, estaria perto da excelĂŞncia. Uma estreia auspiciosa que prova de forma simples que há raios solares que podem incidir de maneira especial na CalifĂłrnia, provocando um eclipse, mesmo que temporário, do virtuosismo criativo dos undergrounds fumarentos de Londres.