Com o nĂşmero de vias em curso que a mĂşsica de dança em Inglaterra tem vindo a tomar, hoje em dia torna-se cada vez mais difĂcil disseminar um determinado gĂ©nero tendo em conta as suas premissas fundadoras. Um desnorte saudável, que tem vindo a provocar uma transversalidade que tĂŁo facilmente incorre no erro de casting, como vai imiscuindo algumas pĂ©rolas a porcos. A edição de Bellion / Dragon Pop no ano passado foi a primeira investida declarada da Hyperdub no multifacetado universo da UK Funky, acolhendo um dos seus maiores nomes (os essenciais Ill Blu) num catálogo que tinha, atĂ© esse momento, feito apenas de tĂmidas incursões numa vertente mais sĂ©ria/cabotina encabeçada pelo Scratcha DVA ou (tangencialmente) pela Cooly G.
Uma estratĂ©gia louvável, mas, ainda assim, algo falhada no desaproveitamento do real valor da dupla de produtores (imbatĂveis no campo das remisturas) em prole de duas malhas que se restringiam a “exercĂcios de estilo” num contĂnuo com a prĂłpria estĂ©tica da editora. Fuller / Hurricane Riddim acaba por seguir uma lĂłgica idĂŞntica, com resultados bem mais prementes. Neste caso, pode-se falar de um aproveitamento consentido de uma obra sem grande coerĂŞncia estĂ©tica (ao contrário do caso supracitado), que atira o referencial no maior nĂşmero de direcções possĂveis daquilo que possa entendido como UK Funky. Um mundo de possibilidades, portanto, que culminou com a escolha de duas malhas que fazem bandeira daquilo que a Hyperdub poderá querer fazer com o gĂ©nero, sem o desvirtuar.
Já amplamente difundida no Ă©ter atravĂ©s da sempre presente Rinse.fm pelas mĂŁos do Marcus Nasty ou dos prĂłprios, ou em dj sets do “patrĂŁo” Kode 9, Fuller / Hurricane Riddim trata-se da sua primeira edição em formato fĂsico depois de dois ep's editados digitalmente no final do ano transacto. Sound of Malibu e Deep Roller sĂŁo representativas de uma via que começa a tornar-se pertinente num gĂ©nero ainda demasiado ardiloso para um reconhecimento cabal, enquanto atavam pontas soltas reclusas do dubplate como “Malibu”, “Whispers” ou “Mr. Bandicoot”. Mercantilismo funcional a colher os louros da boa aceitação generalizada de “For You”.
Enquanto passo consequente, Fuller / Hurricane Riddim é uma peça central na conjectura vingente, cuja relevância ultrapassa em larga escala o espectro de onde emergiu. Na sequência de bangers como “Trinity Hill” ou “Windstorm”, ambas reflectem a faceta mais galvanizadora do colectivo. Enquanto recolhem todo o legado deixado em aberto com as fundações do 2-step/UKG primordiais (notoriamente via Grime), e que derivou nas mais diversas linguagens, atingem uma transversalidade que, não deixando de soar eminentemente a UK Funky, carregam um peso histórico recente considerável.
“Fuller” Ă© de uma elasticidade incrĂvel para algo tĂŁo enformado nos prncĂpios de rudeza do rudebwoy lifestyle. Com uma melodia tĂŁo intrigante quanto infecciosa, que serpenteia em media-res, a amplificar uma batida tendencialmente rasteira, ao qual a chapada afogada em reverb confere alguma profundidade. Apesar de um poder anĂmico notável, “Fuller” Ă© de um apelo dançável mais sugerido do que escancarado (i.e. produções de Ill Blu como “Meltdown” ou “Monsta”), afoito Ă linearidade 4/4, mas com todo um arsenal de alternativas credĂveis para que nĂŁo tardem a haver braços no ar.
“Hurricane Riddim” Ă© um stormer orquestral cujo presciente remonta a algumas das produções mais Ă©picas do Rapid (na linha da tensĂŁo de “Raw 2 tha Core”), em dueto com o soluçar de uma malha de baixo vinda da Bassline, num curioso exercĂcio que, exaltando as propriedades dançáveis do Grime circa 2003 se eleva a um novo paradigma mutável. Contextualizando, acaba por ser reflexo daquilo que tem vindo a ser marca da vitalidade do gĂ©nero. O que, apesar de algumas reservas quanto Ă s direcções a tomar ao longo deste ano, nĂŁo deixa de ser um Ăłptimo prenĂşncio.