Não se lhe conhece fracassos. E também não será agora que nos deparamos com um só porque fez um álbum que não nasceu para o ser. Por outro lado, será que todos os álbuns de Theo Parrish foram concebidos com propósitos mais formais? Tendo toda esta música – que amiúde desafia o mavioso – sido desenvolvida como peça de exposição no Detroit Electronic Music Festival de 2010, nada no imediato fazia crer que Sketches pudesse vir a ser algo mais que uma colecção de amostras das últimas experiências de Theo Parrish. Foi nessa dimensão – para formato de vinil – que nasceu e, para o infortúnio futuro de muitos fervorosos adeptos da música do produtor de Detroit – que não tiveram acesso à limitada edição –, assim estava planeado ficar. Até que Deus interveio.
Não deixando o atento melómano indiferente, Theo Parrish há muito que deixou de limitar o seu pensamento e a sua estratégia de produção à s convenções que ditam as regras do mercado. E este novo registo é disso bom exemplo. Se é de um disco-não-disco que se procura, ei-lo. Porque não se restringiu em fazer um quase-mini-álbum de house-não-house – que ganha agora nova vida com temas inéditos não incluÃdos no vinil –, Theo Parrish é, à semelhança de Kenny Dixon Jr. – vulgo Moodymann – um anti-constitucionalista com uma metodologia própria bem enraizada na música negra que tem vindo a produzir admiravelmente discos que não são, primariamente, pensados para serem álbuns. Já a música do anterior Sound Sculptures Vol. 1 (2007) erguera-se, num passo de magia, do vinil para caber em CD; tudo para gáudio dos adeptos da house enviesada que o norte-americano produz com invulgar genuinidade e sabedoria.
Das esculturas do som aos esboços sonoros, da ambiguidade com que perscruta a matriz negra – soul possuÃda pela tecnologia, da Ãfrica tribal cultivada no cosmos, funk prensado espiritualmente na década de 70, da alma house a padecer de nostalgia jack, jazz sem abrigo ou techno obcecado por arquitecturas bacocas – a um invulgar pós-modernismo pop que projecta toda música de Parrish para um complexo universo onde as leis da fÃsica não se aplicam. Ou, simplesmente noutro ângulo, tudo resumir-se a uma realidade paralela onde reconhecemos os protagonistas de toda acção mas onde não compreendemos nem a indumentária muito menos os trejeitos. Boa parte de Sketches não está ao nÃvel do ouvido mais educado. Trata-se de uma fantasia anacrónica, futurista, cósmica, surreal e mÃstica, uma viagem complicada e sem limites que o excêntrico Sun-Ra teria voluptuosamente apreciado se tivesse tido oportunidade de gozar a reforma.