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Neil Young Le Noise

2010


Começa com uma dedicatória a quem nunca o abandonou ao longo de toda a sua carreira: I feel your love, I feel your strong love / I feel the patience of unconditional love / I feel the strength, I feel your faith in me. É estranho, de facto. Soa a como se Young tivesse algo a provar, ou a si ou aos outros. Não tem. Soa a como se Young se tivesse de desculpar das decisões artísticas menos conseguidas; não tem. Soa quase como um lamento, mas um lamento de cabeça erguida, um lamento sem remorso. Soa a ruído, a um riff carregado de feedback, a um trovejar rock n´ roll vindo do homem que um dia achou que "Expressway to Yr. Skull", dos Sonic Youth, era um clássico (e francamente, não terá ele razão?).

Young foi sempre a sua guitarra, mas nunca a guitarra quis tanto gritar como neste momento. Será da idade avançada, daquele momento na vida em que se dá maior importância à introspecção, ao revisitar de um passado que não volta? Ela responde: You´re scared of the way it goes sometimes in the night (...) Someone´s gonna rescue you and make it right. E há aqui uma certa ambiguidade. É ele quem nos salvará? Fomos nós que o salvámos? Sabendo-o amado e mal-amado em proporções quase equivalentes, tanto uma como a outra estarão correctas. No papel do juiz benevolente e não acusador - teólogos chamar-lhe-ão Deus - está a produção de Daniel Lanois (trocadilho...), pózinhos electrónicos e um magnífico trabalho de estúdio que enfatiza ainda mais o rugir do loner. Não que este troar precisasse de mais. Mas tem aqui um ombro amigo.

Nem a incursão por um lado mais acústico se encontra sem o seu quociente de noise. Em "Love And War" ouvem-se os tremores, os dedos a fugir por segundos, as cordas a bater com estrondo, o reerguer de que falávamos: I sang in anger, hit another bad chord / But I still try to sing about love and war. A grande canção a retirar deste álbum torna-se ainda mais triste quando nos lembramos de que este é o homem que cantou que só o amor nos vai partir o coração. É uma lágrima - ou uma pérola - no meio de um disco com pretensões de ressurreição de um homem que não morreu. Ele acha que esteve quase, como na brilhante "Hitchhiker", narrativa drogada que William Burroughs invejará onde quer que esteja: Then came paranoia / And it ran away with me / I couldn´t sign my autograph / Or appear on TV, sob um riff carregado de fuzz, para não fugir à regra. "Peaceful Vally Boulevard", a outra experiência acústica a sair de Le Noise, e "Rumblin´" fecham com chave de ouro os trinta e oito minutos de Le Noise (tão poucos, e tão imensos).

É anunciado como um regresso, mas alguma vez Young partiu verdadeiramente? Alguma vez demos por sua falta, mesmo nos anos oitenta quando a sua carreira sofreu uma queda? É lógico que não. Mesmo nos momentos mais difíceis houve sempre um momento anterior a que nos pudéssemos agarrar e lembrar que até o mais perfeito dos homens é falível. Neil Young, antes da conotação divina da música que produz, é um homem. E um homem beija a sua própria boca.


Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com
17/12/2010