Muitos terão sido aqueles apossados pelo medo quando em 2007, durante uma actuação em Paredes de Coura, Adolfo Luxúria Canibal anunciou que os Mão Morta abandonariam o rock. Desde logo o pensamento verteu para a hipótese mais temÃvel, a de um suposto fim da banda. Felizmente, tais teorias da conspiração foram invalidadas pela apresentação de Maldoror, espectáculo baseado no livro com o mesmo nome, em que a música se aliava ao poema, à semelhança do que já havia sido feito em 1997 com Heiner Müller e Müller No Hotel Hessischer Hof. Depois deste projecto - que estava na calha há já algum tempo - e como forma de celebrar as suas bodas de prata, nada melhor que ver os Mão Morta regressar ao bom e velho rock n´ roll.
Pesadelo Em Peluche, embora diste daquilo que os Mão Morta conseguem de melhor, coloca o rock em colisão com a literatura (desde sempre indissociável da banda de Braga), neste caso tendo como inspiração J.G. Ballard e The Atrocity Exhibition, uma crÃtica ao papel dos media no desenvolvimento da personalidade individual, também presente na lÃrica de Adolfo Luxúria Canibal em temas como "Teoria Da Conspiração", spoken word sob riff metálico que se lê e ouve como um olhar psicótico a um qualquer telejornal. Aliás, como em qualquer disco dos Mão Morta, a atenção prende-se por defeito nos escritos de ALC, muito provavelmente o melhor letrista português no activo; atente-se à pura poesia presente em "Tardes de Inverno" (A raiva homicida que vem na bebida / Dos tristes sem lar por que lutar / É prosa fiada em mesa dourada / É sonho sem ar para respirar).
Pesadelo Em Peluche é um disco seguro e nenhum passo em falso, ou sinal de velhice. "Novelos da Paixão", tema introdutório, posiciona-se entre o lado mais pop dos Mão Morta. "Tardes de Inverno" é rock acelerado, apunkalhado. "Como Um Vampiro" explora o seu lado mais gótico (e Fernando Ribeiro, dos Moonspell, dá uma ajuda). "O Seio Esquerdo De R.P." contém provavelmente o melhor e mais estranho refrão da história do rock em português. Mas o melhor momento do disco (e da banda, nos últimos tempos) está presente em "Tiago Capitão", história épica sobre a vida vivida com gosto e sem receios; a haver um clássico instantâneo (como "Vertigem" em Nus ou "Cão da Morte" em Primavera de Destroços), será certamente este e o hino final de vamos em frente, olho por olho, dente por dente. Um enorme regresso o qual apenas podemos caracterizar citando John Peel quando se referiu aos The Fall: "sempre diferentes, sempre os mesmos". Bem-vindos de volta.