O que para uns poderá ser uma bênção para outros poderá ser uma praga. E vem de bem longe a difÃcil relação material e emotiva que o Homem tem com o dinheiro. Para uns quantos conformados é um mero cancro crónico com o qual quase já não se vive no planeta, como se de oxigénio tratasse; para muitos é mesmo o principal mal da humanidade, sÃmbolo de decadência, especialmente em dias de profunda crise financeira e económica que tem lançado meio mundo num pânico desmedido tal as repercussões que está a ter na vida de milhões de cidadãos. A música – nada indiferente a ventos fortes que ceifam a qualidade vida de terceiros inocentes –, desde sempre, tem-se manifestado adversa a um sistema viciado que nem sempre privilegia os mais necessitados.
Depois de Erykah Badu, já este ano com o segundo e irregular volume de New Amerikah: Return of The Ankh, vez agora de Aloe Blacc lançar o seu eloquente manifesto em que as good things nem sempre rimam com good dollars, isto numa América cada vez mais desiludida com a prometedora era Obama. Good Things é um disco, que além das habituais – mas saudáveis – abordagens ao amor pela famÃlia, à paixão ardente, traições, desgostos, à femme fatale e aos amigos manhosos, aborda acima de tudo a difÃcil relação que os americanos têm com o dinheiro; talvez mais numa perspectiva de necessidade de manter uma condição de vida básica que vai lentamente desaparecendo com as crescentes incertezas de uma classe média empobrecida. Aloe, talvez por ser filho de pais emigrantes – com origem panamenses –, é sensÃvel à s dificuldades económicas perante o desemprego desgovernado e à dificuldade de integração social de estrangeiros e, por estigma, das subsequentes gerações. E é aqui, especificamente quando se torna num ideólogo convicto, que se distancia do debutante e excelente Shine Through (2006), que apesar de já revelar uma palavra activa, era mais dado a assuntos pessoais mundanos.
Do pessoal para uma frente declaradamente politica, Aloe Blacc, recorrendo à provocação e à ironia, vai abordando as questões que a recessão tem promovido a assuntos do dia: desemprego, desalojamento forçado por falta de prestações ao banco, o desequilibrado sistema de saúde público, a pilhagem de recursos e o cinismo polÃtico perante o poder do capitalismo; tudo devidamente embrulhado numa sonoridade soul de inconfundÃvel carácter que tem muitas vezes no requinte do velho gospel, em Marvin Gaye, Anthony Hamilton ou mesmo Curtis Mayfield as principais fontes de fina inspiração. A produção de Good Things, a cargo da dupla Leon Michels e Jeff Silverman (que no ano passado foi responsável por My World de Lee Fields & The Expressions), encarrega-se da funcionalidade do contar-de-histórias nas canções, criando simultaneamente aquele veÃculo de precisão intemporal que saca ao r&b dos anos 50 e o funk de 70 o melhor da sua alma, proporcionando o compasso ideal para que as vocalizações de Aloe Blacc brilhem emotivamente em qualquer ocasião, até mesmo em dias escuros e de cerrado nevoeiro.