Dado o esgotamento prematuro (?) do Dubstep, refĂ©m da sua prĂłpria imagĂ©tica urbana de tonalidades apáticas, seria inevitável que as plataformas por onde o gĂ©nero se expunham viessem a remexer no seu cĂłdigo genĂ©tico para alargar horizontes, de outro modo, estanques. A tendĂŞncia atĂ© já vem a tomar as mais diversas denominações como (o Ăłbvio) Post-dubtsep, Dubbage ou Global Bass, numa tentativa algo infrutĂfera de açambarcar as mais variadas movimentações sobre um plano trendy, essencialmente localizado em Inglaterra, numa curiosa aproximação Ă volatilidade circa 2002 de nomes como Horsepower Productions ou El-B. Todo este eixo, disperso pelos mais variados legados, e encarnado de modo pleno na táctica da Night Slugs, leva, acto contĂnuo, Ă quela que Ă©, sem dĂşvida, a mĂşsica mais essencial a emergir nas margens de um epicentro amplo, ainda por cartografar. A UK Funky.
NĂŁo será entĂŁo, surpreendente, que a Hyperdub se viesse a descolar subtilmente da imagem de editora oficial do Dubstep mais relevante (o que nem sempre era o caso) para se fazer mais abertamente ao gajedo, que lá vai encontrado espaço por entre os dreadlocks, caps e musculatura thug (nĂŁo esquecendo o papel fundador do Grime em tudo isto). Bad / 2 Bad ou mesmo "Black Sun" do Kode 9, eram já tĂmidas investidas num universo marcadamente mais dançável para a editora, numa estratĂ©gia que poderia ser vista como oportunista pela parte do seu dono, se encarada como uma tentativa discreta de se afiambrar, sem grande pejo, a um gĂ©nero fresco de ideias. Depois da edição de nomes tangentes como a Cooly G, a Hyperdub acaba, finalmente, por declarar a merecida reverĂŞncia, sem se descolar dos seus princĂpios base. Ou seja, deixando escapar uma fatia considerável daquilo que mais interessa e que se revela num apelo digamos (por força de expressĂŁo), mais popular, aproveita-se apenas de cĂłdigos partilhados mais impenetráveis.
Em tempos recentes, viram a luz do dia duas edições alinhadas neste espectro. A primeira, vinda de um dos nomes mais sonantes enraizados firmemente no género. A segunda, uma evidência dessa seriedade que a Hyperdub tem vindo a pavimentar desde sempre.
Reconhecidos, essencialmente, pelas suas qualidades enquanto remisturadores (apesar de um clássico obscuro como a “Frontline”), numa capacidade deslumbrante de transfigurar o mais inĂłcuo dos originais num opulento (mas nunca gratuito) exercĂcio de maximalismo dançável (“Parachute” da Cheryl Cole, “I Feel Better” dos Hot Chip ou “One More Lie” do Craig David), deve-se aos Ill Blu alguns dos “avanços” mais prementes do gĂ©nero. Catalisadores de todo o potencial galvanizador de alguma Pop de contornos maleáveis, seriam uma adição estranha, mas bem vinda, ao cânone da editora londrina, nĂŁo fossem “Bellion” e “Dragon Pop” apenas exercĂcios de estilo confinados.
Devidamente enquadradas da estĂ©tica da editora, estas duas malhas podem ser encaradas como um manifesto de intenções em si prĂłprio, distante da densidade das suas produções habituais e habitando na sua prĂłpria noção de ritmo como um fim em si mesmo. Sem o frenesim de outras produções recentes num mesmo comprimento de onda, como “XZero” de Greyman, ambas se apresentam enquanto exemplo de um minimalismo melĂłdico e rĂtmico, quase inacabado na sua dimensĂŁo rarefeita.
“Bellion” nĂŁo anda muito distante de uma produção instrumental vinda de 2006 (algo que os Crazy Couzins viriam a perfeccionar de modo Ă©pico em “Inflation”), assente na premissa de um ritmo vibrante mas pouco impositivo, ao qual se junta uma melodia básica de xilofone em diálogo estreito com uma linha de baixo saltitante. “Dragon Pop” segue uma via idĂŞntica, mas descarta qualquer arquitectura sĂłnica para se construir somente de elementos rĂtmicos (tarola, shakers e congas em euforia controlada).
Sem uma existĂŞncia digna fora do contexto de uma mix ou DJ set, esta sua primeira edição fĂsica restringe-se apenas ao seu funcionalismo, sendo, nesse contexto, um movimento importante para a fluidez que se pretende. Apenas o militante mais aplicado se aperceberá do seu efeito. Qualquer procura de uma maior profundidade emocional ou sensitiva deparar-se-á com um vazio.
Se os Ill Blu seriam, à partida transgressores num universo de paranóia urbana, a obra do (Scratcha) DVA surge devidamente enquadrada na identidade mais dançável que a Hyperdub procura. Sendo já o seu segundo lançamento na editora, depois de Natty, reaproveita a polirritmia “aos encontrões” desta última em “Just Vybe (Soule: Power Mix)” para a dotar de um formato mais próximo daquilo que possa ser entendido como uma canção. Contando com uma prestação elástica da Fatima, contamina o groove quebrado com uma soulfullness (perdoe-se o estrangeirismo espertinho) intrigante, que se glorifica a si própria sem se deixar estupidificar pela sua própria boa onda.
Menos surpreendente, “Step 2 Funk” surge num contĂnuo mais austero daquilo que alguĂ©m como o Emvee tem vindo a explorar de um modo dignificante. Despida de uma linha melĂłdica notĂłria, vai dispondo diversos andamentos percutivos e uma nota de sintetizador ameaçadora, desviando-se continuamente de uma lĂłgica previsĂvel, mas incapaz de subsistir sem se cansar ao longo dos seus seis minutos. Admira-se a sua eficácia hipnĂłtica num contexto de pista, mas, tal como no caso de Bellion / Dragon Pop, revela-se incapaz de respirar fora do aquário que a viu crescer.
Com malhas como estas a aparecerem, cada vez mais frequentemente, confortáveis fora do nicho da UK Funky, poderá estar aqui um passo necessário para uma aceitação na transversalidade natural das mĂşsicas mais dançáveis. Será pouco? Talvez, mas dada a pouca projecção fĂsica/sĂ©ria daquele que Ă© o gĂ©nero mais importante nascido em Inglaterra desde o Grime, sĂŁo de acolher estas manobras com um um sorriso condescendente.