Quando Michael Gira anunciou o regresso dos Swans ao activo, mais de uma década após ter declarado a sua morte no duplo Swans Are Dead, deu-se algo de estranho, uma sensação incomum em quem acompanhou a carreira do(s) próprio(s) durante anos; por um lado, o júbilo de se saber que uma das melhores bandas a ter saído das raízes do no wave estaria de volta (mesmo que sem a voz de Jarboe, falha impagável); por outro, o medo, o horror do nome Swans, das histórias de amor, de religião e de decadência, escritas a sangue; dos mitos em torno de concertos movidos a volume insuportável, a desmaios, a vómitos; o monstro despertava, e desta feita não havia forma de se fugir.
Uma primeira mostra do que estaria por vir tomou forma em I Am Not Insane, álbum acústico que Gira gravou em sua casa, contendo sete das oito faixas que constituem My Father Will Guide Me Up A Rope To The Sky, e lançado especialmente para ajudar à gravação deste (mil cópias apenas, todas assinadas pelo próprio Gira). Aqui as canções são o mais cruas possíveis, só Gira e uma guitarra - e o verbo, claro está, sempre desafiante, sempre violento, em constante confronto. Um verso tirado de "Oxygen" deu nome ao novo disco.
Se dúvidas houvessem quanto ao regresso, "No Words/No Thoughts" é a resposta; num momento Swans clássico, inicia com o som de sinos de igreja (ironia, um bem precioso) para logo de seguida arrancar numa batida industrial e ruidosa, guitarras em choque, durando quatro minutos até Gira, pregador de serviço, entrar finalmente com a voz. A faixa termina novamente em tons irónicos: Long may he live / (...) To think is a sin / (...) Long may his world never begin. Todo o álbum, aliás, nos surge como uma revolta contra o Criador e contra a existência, algo que não é novo nos Swans, mas que aqui ganha contornos conceptuais.
Há que mencionar que a voz de Gira está agora mais amadurecida, mas não perde aquilo que a caracteriza; um misto improvável de melancolia e sadismo. Veja-se "Reeling The Liars In": Here is my tongue / Now cut off my sin. Isto enquanto traça um registo pouco abonatório da religião organizada, mas cantando com a sapiência de um santo. "Jim" poderia ser uma canção gospel, e "Jim" poderia ser aqui Jesus Cristo. Um baixo hipnótico e a introdução: It's time to sleep / It's time to leave / To lose the binds / To lose our minds. Não é um apelo tanto quanto um aviso. E, logo de seguida, a qualidade messiânica deste "Jim" toma forma quando surge o pedido: Ride your mechanical beast to Heaven. Melodia sob ruído sob melodia, é assim a melhor faixa do disco.
"You Fucking People Make Me Sick" é a única faixa que não encontrou vida em I Am Not Insane, mas não é por isso um passo atrás; aliás, apresenta uma bonita colaboração entre a filha de Gira e Devendra Banhart, num tom semi-tranquilizador - pelo menos até desabar num caos de ruído, trompetes e . "Inside Madeline" é precisamente o contrário; começa em tons rock n' roll para no final soar quase como se Beirut fizesse discos niilistas. E depois há "Eden Prison", que na perspectiva da conceptualidade é a libertação: I am free of the choking hold that began in Eden prison. Um disco agressivo, que marca um retorno em grande da marca Swans, mas ao mesmo tempo, por debaixo do apocalipse, uma réstia de esperança e de iluminação. Melhor traduzida em "Little Mouth", a fechar: May I find my way to the reason to come home / May I find my way to the foot of your throne.
Os Swans, para bem dos nossos ouvidos e mal dos nossos pesadelos, não estão mortos. Michael Gira continua em grande na lírica e na interpretação, e o contexto industrial não soa de todo datado. My Father..., sustentado em tudo isto, apresenta-se claramente como um dos discos do ano... perante isto, que dizer? Talvez apenas citar Vítor Junqueira: se não os trouxerem cá até final do ano, vai haver merda.