Durante 20 anos, Laetitia deu a sua contribuição essencial para os Stereolab, desde o seu toque vocal francófono de particular sensualidade, às letras bilingues de cariz situacionista, socialista e filosófico das canções, onde, a comboio do ecléctico experimentalista Tim Gane, a francesa ainda emprestava os seus dotes instrumentais nas teclas, guitarra e até trombone. Com Gane, chegou durante anos a partilhar ainda mais do que música, sendo este o pai do seu filho Alex. Entretanto, a relação acabou, os Stereolab também ou talvez não, há um hiato produtivo, mas e que tal Laetitia? Não parou. Desde sempre deu voz a várias coisas, de Mouse on Mars a Atlas Sound, no seu recente e maravilhoso “Quick Canal” do último disco de Bradford Cox, confesso fã de Stereolab. A par disso, nos últimos anos dedicou-se igualmente ao projecto Monade, inicialmente com Rosie (dos excelentes e de alguma forma paralelos Pram), depois apenas com músicos franceses num óptimo regresso às origens, que teve fim em 2009.
Et voilá, 2010. O ano em que Sadier entra para a galeria dos imortais com disco a solo, Ă sĂ©ria, com a cara e o nome na capa. The Trip Ă© uma bela viagem, nĂŁo desilude nada. Está Ă altura de algum do melhor Stereolab, numa perspectiva nada canibalizante, ou seja, sobrevivendo paralelamente, atĂ© porque nĂŁo Ă© uma pastiche pura e dura do som deles, nĂŁo, nota-se intimidade, personalidade e o cariz solo. O.K., dirĂŁo, a voz leva-nos de imediato para paragens familiares repletas de recordações do Groop (como se auto-intitulavam). Sim, O.K., mas a produção nĂŁo Ă© de Gane e nota-se. É repartida por Emmanuel Mario (já presente no Ăşltimo dos Monade) e Richard Swift (sim, o do grande The Novelist ). Os dois surgem igualmente em muitos coros, como espĂritos masculinos de Mary Hansen, intercalados por outras duas colaboradoras vocais de peso: Rebecca Gates e a franco-fĂŁ April March.
O resultado são melodias com muitos “pa-pa-pa” à medida da beleza da voz maravilhosa da diva, sem dúvida agora menos cheias de texturas, com arranjos mais espartanos, em toada de ritmos mais suaves, menos “krautrock”, muito mais franceses, polaroids de rivieras. Obras-primas de Stereolab à parte, estas francesices funcionam muito bem. No bolo com várias cerejas originais no topo, Laeticia adicionou também uma versão espectacular do clássico “Summertime” de Gershwin, uma releitura espectacularmente sexy do electro-80’s-kitsch de “Un Soir, Un Chien” dos franceses Les Rita Mitsouko e ainda um clássico-pop-instantâneo-tipo-Marine Girls-C-86 com “By The Sea” de Wendy and Bonnie. Et, voilá. Merci bien Laetitia.