Antes da refeição – propriamente dita –, fique-se a saber que há música que sabe perfeitamente que entre o fusco da noite e a luminosidade do dia encontra-se um intermédio de luz inspirador capaz de ser servido como aperitivo para o que quer que venha a acontecer. A mesma música que une as pontas soltas da soul e da pop sabendo instintivamente prestar-se à confecção de um repasto rÃtmico e melódico que tanto faz o apelo modesto – mas sensual – à dança como à contemplação do cosmos com o corpo meio enterrado na areia. É uma combinação estranha de sabores num preparado gourmet que evita a todo custo a toxicidade de tudo seja trivialmente frito em 2 minutos e pronto a servir como um desenrasca à preguiça imediata. É algures por aqui que a música de Oriol Singhji se enquadra, umas vezes com melhor tempero, outras pior, mas sempre com disponibilidade e grande expressividade de alegria.
Nascido em Barcelona, Oriol tem passado boa parte da sua jovem vida dividido entre Londres e Cambridge, tendo feito escala em Boston durante uns anos para desenvolver os dotes musicais. Talvez das múltiplas viagens que fez entre o aqui e o além tenha nascido um apurado gosto na escuta e uma interessante racionalização na composição da matéria clássica pop/soul onde o electro-funk semi-delirado de 80 ou techno futurista de Recloose é marinado com jam-sessions boogie sobe directivas broken-beat de uns Bugz in the Attic. Um cocktail presumido – no mÃnimo – se Oriol não perdesse ocasionalmente a perspectiva na gestão dos ingredientes.
Night & Day revela a determinação de quem sabe o prato que quer proporcionar mas que nem sempre atinge o pleno na consistência das texturas. Não sendo um disco confuso ao ponto de nos deixar amarrado a uma periferia electro-soul já antes percorrida por outros, Oriol faz um equilÃbrio de forças num joguete tanto espontâneo como pragmático que provoca alguma desordem na forma como a música deveria fluir, na forma como deveria respirar. O resultado é desigual porque a gestão dos pesos na balança nem sempre é ponderada, registando-se constantes deslocações entre o requinte forçado na forma e a necessidade de lógica no conteúdo. Não se condena o esforço, mas os meios nem sempre atingem o fim desejado. Oriol é um cozinheiro de beats com futuro, se não se perder em excentricidades balofas.