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Filipe Felizardo Övöo

2010


A extrema actividade sentida no epicentro das músicas mais far out nascidas no burgo circa 2005, tem vindo lentamente a estratificar. Precocemente, levantam-se já vozes a acusar a antiga “cena” (nome tão em voga na altura em que o noise era hipster) de sonambulismo, mas a verdade é que o improv-boom (expressão inventada à pressa) de então, tinha necessariamente de se recolher e reavaliar para se assumir como premente, sem subsistir numa tesão de mijo. Na verdade, os militantes perduram e o abrandamento foi também necessário para uma certa “profissionalização” (Gala Drop ou Aquaparque) não consonante com uma enxurrada de cd-r's feitos no quarto por tuta e meia. Mesmo que exista um valor residual intrínseco a esse fervor em peças tão fundamentais como Whole Hit Boomer ou Tracy Chapman Lords.

Se essa militância tem vindo a fazer a coisa mexer, a verdade é que tem faltado sangue fresco nestas veias. Por muito excitante que a reinvenção seja, tem havido uma lacuna no que diz respeito a caras novas e barbudas na já chamada “música periférica portuguesa”. A edição de Övöo vem contrariar essa tendência. Cara reconhecida pelas gentes que frequentam a galeria Zé dos Bois, e metade dos intermitentes Häsqvarna, Filipe Felizardo era, até agora, mais reconhecido enquanto artista plástico (são dele alguns dos mais belos cartazes da ZDB) do que enquanto músico dado a viagens cósmico-interiores.

Gravada numa sessão a 8 de Abril a longa faixa que constitui esta sua estreia, deixa as necessárias pontas soltas inerentes a um debutante ao mesmo tempo que se afirma como um disco seguro nas suas virtudes. Drone para voz e guitarra, Övöo assume uma dimensão litúrgica onde o reverb é matéria celestial sem abafar a respiração de algo tão natural quanto insinuante. Insinuante na medida em que a sua estrutura linear sugere uma miríade de linguagens devidamente alinhadas em torno de uma atmosfera circular de dimensão incorpórea. Essa condição etérea, espaço predilecto para a sacramentalização, tanto pode encontrar eco nas aventuras mais luminosas dos Double Leopards, como na rarefacção aparente de Neil Campbell, num contínuo com a tradição da música de leste (uma obsessão do autor) de divas como Maria Petrás ou Valia Balkanska (reutilizada nessa maravilha drone de nome “Imperfect Fifths” da Dialing In) ou mesmo com os cantares de Tuva. Orações, portanto.

De um labor parcimonioso, fulcral para a compreensão de Övöo como um trabalho de nascimento prazenteiro. Obra inacabada por natureza, lança óptimas pistas para uma progressão salutar de Filipe Felizardo enquanto músico em exploração. Sem pressas, como se exige. A confirmação chegará no seu devido tempo.


Bruno Silva
celasdeathsquad@gmail.com
08/07/2010