Os grandes álbuns feitos a partir de vastas colecções de discos devem ser sempre ligeiramente estĂşpidos para que nĂŁo pareçam demasiado sábios. AlĂ©m da extraordinária vitalidade psicadĂ©lica que apresentam, Paul’s Boutique (1989), dos Beastie Boys, Odelay (1996), de Beck, e Beauty and the Beat (2005), do desvairado Edan, mantĂŞm algo mais em comum: todos envolvem um certo grau de estupidez como ingrediente. Os primeiros dois partilham tambĂ©m da produção dos Dust Brothers, que, na penumbra e ao lado do gĂ©nio Matt Dike, muito contribuĂram para que algumas franjas musicais (o mais esclarecido hip-hop branco principalmente) entendessem o enorme valor que o psicadĂ©lico podia desempenhar em discos de absoluto entretenimento. A pergunta torna-se inevitável: existirá maravilha mais divertida que Paul’s Boutique?
As respostas para Paul’s Boutique conhecem livros inteiros e a atenção de vários teóricos. Por agora, o disco que deve avançar na inspecção é Odelay, até porque já empregava em 1996 tudo aquilo que faz mexer este Maniac Meat, o segundo dessa misteriosa figura que é Tobacco (ou Tom Fec). Ou seja, a ponte entre os dois álbuns faz-se com breakbeats desavergonhados, a dose certa de cretinismo e uma alegria generalizada na pilhagem de ouro psicadélico espalhado pelas tais colecções de discos. Tobacco explora os limites shoegaze do hip-hop (ouvir para crer) e espera que as canções apareçam por obra da santinha num processo vagamente absurdo. Mas Maniac Meat tem um cobertor curto para o tamanho dos seus pés, e, a partir de certa altura, arrasta como pode os seus mil vocoders e sintetizadores pelo corredor de uma segunda metade realizada em puro estado vegetativo.
Não é de admirar que Beck participe fugazmente (2 faixas de 2 minutos) num disco que recebeu o seu apadrinhamento espiritual há muito tempo. Com tantos discos de versões por fazer, Beck não tem muito tempo a perder em Maniac Meat: dá-lhe forte no flow fragmentado que rasga o fuzz de “Fresh Hex” e é só mesmo um fantasma de passagem em “Grape Aerosmith” (onde a sua voz soa a sobra de Modern Guilt). É muito pouco. O “olá e adeus” de Beck não chega sequer para fazer esquecer a pouca substância de um objecto de laboratório que podia muito bem ter permanecido na gaveta.
Isto tambĂ©m acontece porque Maniac Meat sofre de uma doença que se alastra a grande parte do catálogo da Anticon (hip-hop futurista agora condenado ao passado): Ă© um disco evidentemente deslumbrado consigo prĂłprio e disposto a morrer por via da saturação que produz. AlĂ©m disso, os recursos e adjectivos utilizados para descrever Tobacco nĂŁo diferem assim tanto dos que possam recair sobre um disco de Black Moth Super Rainbow (o colectivo mais sonhador e menos hip-hop de Tom Fec). É extremamente difĂcil perceber onde acaba a gula psicadĂ©lica de Tom Fec e começa a sua capacidade de escrever canções ou armar uma excelente melodia. A estupidez Ă© um utensĂlio, mas há que saber aplicá-lo.