Recordam-se de marchar em pleno campo de batalha com The Civil War (2003) da dupla norte-americana Matmos, como que um ensaio sonoro de polemologia anglo-saxónica, embalado pelo aroma a napalm da operação “Choque e Pavor” num Iraque repleto de armas de destruição maciça que não chegaram a aparecer? Eis o contra-golpe da cultura militar germânica, cuja tradição remonta à mitologia cartesiana dos generais prussianos, rigorosos e imponentes, manobrando os blindados Panzer tão gloriosa e cientificamente quanto Richard Wagner orquestrava os rufares da ópera Die Walküre (1854-56), banda sonora muito lá de casa para Friedrich Nietzsche.
Oriundo de Colónia, uma das mais industriosas capitais do techno alemão, Wolfgang Voigt terá realizado a sua recruta nos clubes nocturnos locais, escalando na hierarquia militar até se consagrar como um oficial de renome na produção e composição de texturas sonoras minimais, expurgadas de todo e qualquer vestígio de romantismo ou, no limite, de sentimento. Acabado de editar pela Profan, Freiland Klaviermusik (2010) representa uma espécie de jubilação precoce, desbravando novos territórios com inusitadas destreza e resiliência, quais Afrika Korps do marechal Rommel. Se ainda vigorasse o III Reich, decerto que Voigt seria então condecorado com uma Grã-Cruz de Ferro.
Em síntese: minimalismo modular composto a partir das teclas de um piano. Mas a reverberação e a mecanização são tão dominantes que, ao longo do álbum, não raras vezes, duvidamos da existência de algo orgânico em toda aquela panóplia bizarra e repetitiva que visa exaltar um vago espírito guerreiro remanescente nos melómanos das sociedades kantianas de paz e prosperidade – as quais, afinal de contas, parecem estar novamente em risco, meio século após o estertor civilizacional de Dresden, Estalinegrado, Hiroshima, ou tantos outros cemitérios morais. Não é, por isso, um disco fácil, e muito menos agradável de se ouvir. Cerebral e intelectual, é como que um fármaco para a mente. Incomoda e estremece, perturba e fascina, parece vazio mas dispõe de um imenso poder de atracção obsessiva.