Somos invariavelmente levados a caracterizações cinematográficas. Basta um olhar de relance sobre a capa, still promocional de um filme ainda por estrear, em que cinco actores (para já) desconhecidos interpretam um guião escrito sob o olhar materno do psicadelismo - a mulher de Deus, numa óptica hippie/stoner/pagã. Mas isso é embrenharmo-nos demasiado em questões que fogem à música. Não consta que os Starring queiram trocar a sua viva Brooklyn pelo plástico acre da letárgica Hollywood. Contudo, qualquer um dos temas que compõem Wife Of God ruge mais alto que o famoso leão da MGM.
Misturar o lado mais enérgico do punk com arranjos prog não é novidade nenhuma, mesmo que ainda haja quem os considere inimigos figadais. É nestes termos que os Starring não mostram pejo em arrancar um riff aos Spacemen 3 para explodirem de seguida em delírio astral, fantasia construída à base de órgão farfisa e distorção suja; "The Wife Of God", tema-título, sai das colunas para encher todo um quarto de adrenalina, janelas escancaradas em direcção ao infinito. E de súbito, os Starring deixam de ser uma banda para serem um culto. I'm the wife of God. Oração que se arrasta "She's Extended" adentro. Amén.
"Sonnenbrille" eleva ainda mais a fasquia no que toca aos efeitos especiais - um pouco à imagem de Avatar, mas sem o enredo cliché. É puro magma, e puro Magma; Matt Marlin, baterista, frenesim atrás de frenesim, entre mudanças de compasso e jamming, encarna em si o poderio da banda francesa. "July" epitomiza o romance punk/prog que permeia o disco, ou não fossem aqueles três acordes os melhores acordes de amor de sempre. Sol, Fá#, Mi. No meio da trip, há sempre um Iggy que nos leva em direcção à luz.
Seria inteiramente merecido, mas não percamos mais tempo a adjectivar cada uma das dez canções. Fiquemo-nos antes pelo êxtase cósmico de "see", pela dança stoner de "get over here, Disco!" e pelo final corrosivo de "Body Double", o regresso ao ego depois da morte, reinício da viagem e do sentimento de querermos desaparecer e deixar que alguém tome o nosso lugar; won't you be my body double? Neste sentido, deixem que os Starring se escondam. Caso contrário, toda a autorização para espalhar aos quatro ventos: está aqui uma das surpresas do ano.