Como contar histórias sem palavras? No misterioso caso de Clutchy Hopkins, através de texturas sonoras embebidas nas mais diversas tradições, culturas, linguagens. Tanto fazemos parte da trama de um nobre conto samurai ao estilo Ghost Dog (1999) de Jim Jarmusch como, logo a seguir, alistamo-nos num pobre grupúsculo nigeriano de guerrilha proto-revolucionária sob a percussão cadente do afro-beat para, enfim, deliciarmo-nos com o travo a cobre de um whiskey duplo com gelo servido ao bar de um fumarento clube de jazz nas margens do Mississipi. É disso que se trata em The Story Teller, quarto capítulo de um enigma que dá pelo de nome de Clutchy Hopkins: contar histórias sem palavras, cingindo-se à narrativa sonora.
O carácter ficcional da própria personagem Clutchy Hopkins, de quem conhecemos apenas uma obscura fotografia tipo passe, qual Walden compenetrado numa reclusão criativa de várias décadas numa cabana em pleno deserto Mojave, é como que proteína para a nossa imaginação. A começar, naturalmente, pelas teorizações conspirativas em torno de um hype engendrado pelos media, passando por uma listagem dos suspeitos do costume – Madlib, Flying Lotus, MF Doom, Cut Chemist, Beastie Boys e, já agora, porque não Keyser Söze? – e culminando na biografia “oficial” do filho de um engenheiro de som da Motown que terá viajado entre o Japão, a Índia e a Nigéria, retornando depois aos Estados Unidos da América, onde poderá ter tocado em colectivos de jazz e funk mas sempre sob anonimato, só agora quebrado mediante a tardia revelação destas suas gravações caseiras, acompanhadas pelos manuscritos de tais histórias fantásticas.
Surgiu-nos em 2006 com o inaugural The Life of Clutchy Hopkins, editado pela Misled Children. Depois, ainda que supostamente isolado da civilização e respectiva parafernália tecnológica, por mais sofisticadas que as suas composições nos possam soar (não obstante todo um seu cariz old school), logrou transferir-se para a bem mais abrangente Ubiquity Records, pela qual lançou Walking Backwards (2008), Music Is My Medicine (2009) – este em conjunto com um não menos enigmático Lord Kenjamin – e o presente The Story Teller (2010), todos eles excelentes álbuns, como que baús de preciosidades rítmicas que podemos explorar através da agulha do gira-discos, não sem a mesma volúpia de quem lê um livro de um só fôlego.