O tĂtulo sugere bem ao que se vem: uma lição de percussĂŁo. E Ă© mesmo de ritmo que se trata, mesmo que num contexto lato e muito democrático. Mas nem sĂł de camadas de ritmos em busca do delĂrio que Christian Prommer se preocupa neste interessante exercĂcio de reimaginação de clássicos da pista de dança. Há acima de tudo uma tentativa tenaz de se apropriar da matĂ©ria-prima alheia, dela dispor a seu belo prazer e torná-la sua.
Drumlessons Zwei vai para lá da ideia pragmática da simples remistura. Trata-se antes de recontextualizar ou, se se preferir, metamorfosear os elementos que antes serviam a causa techno ou house e apresentá-los sob um novo desĂgnio compositivo. Na primeira lição, o exercĂcio de especulação conduziu Prommer directamente ao jazz, agora assenta numa terra de ninguĂ©m onde tanto cabe a pop cĂłsmica, o rock progressivo, o krautrock e laivos de disco e jazz.
Na sua essĂŞncia, este novo exercĂcio nĂŁo varia muito do que foi apresentado há 3 anos. Na altura Prommer propĂ´s uma sofisticada variante jazzistica para o clássico "Strings of Life" dos Rhythm is Rhythm. Uma experiĂŞncia pontual que se tornou num projecto a tempo inteiro muito pelo dinamismo que conseguiu imprimir num tema que teve a sua gĂ©nese nas teclas de um piano e que entretanto cresceu para se deixar sodomizar pela alma mecanizada do techno de Chicago.
O que parece tambĂ©m nĂŁo ter mudado muito Ă© o espĂrito da lição do professor Prommer – desde sempre ligado a cena electrĂłnica alemĂŁ de 90 – cada vez mais empenhado na busca de novos horizontes artĂsticos na sua vida adulta; especialmente como ainda se mantĂ©m empenhado em criar alternativas novas a partir do espĂrito libertino rave que aprendeu a estimar quando era mais jovem.
O primeiro volume de Drumlessons não foi uma operação retumbante, mesmo perante singulares reinvenções de clássicos como "Trans Europe Express" dos Kraftwek, "Higher State Of Consciousness" de Josh Wink, "Can You Feel It" de Mr. Fingers ou "Plastic Dreams" de Jay Dee. A matéria-prima deixou-lhe espaço de manobra suficiente para uma nova roupagem, mas a falta de ousadia na transformação da matéria elementar acabou por frustrar alguns momentos.
Neste novo volume, o nĂvel de frustração diminui consideravelmente. Existe uma nova dinâmica sonora, mais abstracta, que proporciona uma liberdade que o jazz de contornos clássicos antes nĂŁo permitia de forma voluntariosa. Ao percorrer serenamente esta terra de ninguĂ©m – onde curiosamente o seu novo colaborador, Peter Kruder, tambĂ©m gosta ser um nĂłmada –, Prommer gera mĂşltiplos estados de mente que criam uma ideia lĂşcida de viagem tambĂ©m feita de mĂşltiplas paisagens.
O uso astuto e proficiente do escopro nĂŁo Ă© inocente na lavra destas interessantes peças originalmente criadas por gente como DJ Rolando, Jean-Michel Jarre, Carl Craig, Laurent Garnier ou Kruder & Dorfmeister. Tal como o recurso a um refinado caleidoscĂłpio sonoro sĂł será considerado casual para quem esteja indisponĂvel anĂmicamente para absorver todos os elementos estĂ©ticos – bem orgânicos – que enriquecem esta eloquente narrativa. “Acid Eiffel”, “Sleepy Hollow” ou “Jaguar (Part Two)” sĂŁo os mais flagrantes exemplos dessa ideia elementar num disco (com um curioso cunho psicadĂ©lico) que nĂŁo deixa de ser aprazĂvel apesar de ocasionalmente tenta disfarçar, com o seu alinhamento, alguns momentos mais amorfos e insĂpidos.