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John Grant Queen of Denmark

2010
Bella Union / Nuevos Medios



Foi o azar que trouxe John Grant até Queen of Denmark, disco ressabiado, repleto de mágoa e desesperado por expor as complicações da vida gay. Sim, John Grant é assumidamente gay e o caso parece complexo. Para mais, a sua carreira artística também não foi um mar de rosas. Apesar do estatuto de eterna promessa, os Czars, a ex-banda de John Grant, nunca chegaram a ser os Wilco e agora o seu principal compositor entende que o mundo lhe deve alguma coisa por isso.

A reivindicação merece alguma legitimidade, diga-se, nem que seja porque The ugly people vs. The beautiful people (2001), disco dos Czars, era dotado de canções com classe e uma engenharia diversificada. Deve ainda ser revisitado. Felizmente, existem bandas mais célebres (os Flaming Lips) que não esqueceram o talento de John Grant e decidiram protegê-lo com convites para digressões conjuntas e outras medidas de carinho. É talvez por isso também que os Midlake emprestam o seu acompanhamento instrumental (um fundo de acústica e bom rock fm) àquele que é o primeiro disco a solo do homem.

Alienado de qualquer necessidade de competir com a actualidade, Queen of Denmark é também o disco em que John Grant atira a toalha ao chão para ficar com as mãos vagas para caprichos nostálgicos e amuos próprios dos tristes que perdem noites ao piano. Para chegarmos a esses “tristes”, pensemos então em esquecidos como Adrian Gurvitz ou Randy Vanwarmer, adulterados por uma neurose ainda maior, ou num Robert Fripp (o Deus dos King Crimson) empenhado em escrever canções para a classe-média americana, quase sempre incapaz de resistir à fantasia da "tal" que passa na rádio três vezes por dia.

Parece foleiro, mas não é. A explicação reside num sarcasmo gigante e implacável, e na sua utilidade como arma secreta de um John Grant que sabe realmente como dar vida a uma canção pop. Deste modo, a fórmula sarcasmo-pop reforça a paródia da pobre Wynona Ryder (incapaz de acertar o sotaque em “Sigourney Weaver”) e o ácido no fuck off, que rasga “Chicken Bones”, enquanto tenta passar por single ligeirinho de Steve “The Joker” Miller. Quanta subversão anda por aqui…

John Grant deixou de aceitar ser figurante num filme que devia ter sido seu desde o início. Desta vez, estas canções azedas não temem sequer deixar frias as costas de quem sempre preferiu as dos outros. O próprio John Grant gosta de roubar propriedade alheia com uma categoria exemplar. A certeza disso soa bem alto quando “Outer Space” descobre o melhor uso para uma página arrancada do capítulo mais espacial de Elton John (penso em “Rocket Man”, claro). Nada disso é grave, quando o disco resulta impecavelmente. John Grant transformou as suas diatribes em canções com uma brutalidade que faz dele o mais admirável dos bêbados neste balcão da amargura.


Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
30/04/2010


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