Por esta altura, talvez já muito boa gente ande a pensar no que é que Joanna Newsom pode inventar para o seu quarto disco. Teria sido tão fácil avançar a carreira gravando sucedâneos de "Inflammatory Writ", e tocar para os mesmos que agora descobriram que Devendra Banhart até grava umas canções folk-rock clássicas "bonitas" e "agradáveis". E raispartam aqueles gajos barulhentos que tocaram na primeira parte da Aula Magna. Pois Joanna Newsom sucedeu The Milk-Eyed Mender com um disco de 5 canções longuÃssimas. E seguiu agora Ys com um disco triplo, de 2 horas de duração. É com essas linhas que ela se cose (na pele, porque roupa não há muita no booklet), e as suas mãos mostram mais habilidade do que simplesmente acertar na corda certa da harpa, ou tecla certa do piano. Have One On Me, ouvido à s pinguinhas ou de uma vez, tem fôlego para livrar o céu dos pólens primaveris até o ano que vem, confirmando - ainda mais - um talento de escrita de canções que não tem qualquer paralelo nos dias de hoje. Newsom fez um discurso de 2 horas em que nenhum momento parece supérfluo.
A banda que Newsom e Ryan Francesconi puseram de pé, e que inclui Neal Morgan, excelente baterista que acompanhou Bill Callahan (ex-namorado de Newsom) em Santa Maria da Feira, cede o palco à artista principal na maior parte do tempo, deixando ouvir a sua instrumentação diversa (sopros, violinos, violoncelos, e até harpsicórdios e violas da gamba) em pequenas doses, que são suficientes para que tenhamos a certeza que Van Dyke Parks foi bem substituÃdo após o excelente trabalho em Ys. O espaço nunca fica atulhado. Tudo trabalha a favor da canção, seja a sublinhar as frases de Newsom, seja num curto interlúdio, seja na marcha para o fim da dita canção. Não chamam atenção para si. São, no fundo, ponteiros laser a incidir sobre as frases e melodias de Joanna Newsom. Enfim, não é preciso nenhum grande rebuscanço para dizer qual é o principal segredo desta cantora-compositora. Ela limita-se a não perder o pé por nenhum momento. Mesmo que seja só ela e a harpa ou piano por minutos a fio. Cada frase de cada estrofe de cada verso é um trabalho melódico de primeira qualidade. Cada ligação tem a inflexão adequada ao manter do encantamento. Toda a música, por mais longa que seja, é um refrão. Sabe-se que o power-pop, a maior parte das vezes, é muito irritante. Talvez Joanna Newsom tenha inventado o seu primo distante, e muito mais bem-vindo, o power-prog-folk.
Falta falar das letras. Outro factor que leva Newsom mais longe que os seus "rivais". Have One On Me é riquÃssimo em vocabulário, imagética e alusões para representar o sentimento que acompanha aquilo que tudo indica ser o destroçar de uma relação, a parte em que esta se divide entre a atracção fÃsica que resta, e a incapacidade de manter a situação conjugal actual, sempre com a natureza como muleta essencial. Talvez outra razão porque não são precisos refrões. Isto é uma história que precisa avançar, e como tal frases repetidas mais à frente na canção torná-la-iam numa daquelas telenovelas repletas de flashbacks. Este disco merece entrar no panteão das grandes obras sobre esmiúcar de relações falhadas, e colocar Joanna Newsom definitivamente debaixo dos holofotes brilhantes reservados para os grandes songwriters da história. Ah, e não chateiem com a voz dela, que está muito mais contida. Vão reclamar com o Antony.