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Forest Swords Dagger Paths

2010


Apesar da necessidade de criação de um sistema de referenciais, que leve a uma catalogação mental confortável, procurá-lo em torno de supostas influências pode-se tornar um processo melindroso. Mais ainda quando essas mesmas insuflam a imaginação de escribas em busca de coordenadas cada vez mais rebuscadas. E por vezes, simplesmente idiotas. Para que conste, o gajo da comunidade costeira de Wirral que grava sob o nome de Forest Swords tem um enorme (e mais do que justificável) fascínio pela dinâmica entre a Aalyiah e o Timbaland. A reverência é explícita na cover de “If Your Girl Only Knewâ€, mas seria erróneo esperar que um disco com o nome de Dagger Paths fosse de algum modo um statement cheio de classe sobre foda que afinal é amor e vice versa (com todos os pontos intermédios). Na cabeça de Forest Swords, “If Your Girl Only Knew†surge afogada em reverb, com a guitarra taciturna reminiscente dos acordes primordiais de “Dead Flag Blues†dos Godspeed You Black Emperor! a enredar-se no baixo dubby (que constitui o elemento mais facilmente identificável da original). Cama para uma voz soporífera e batida martelada, bem longe da languidez sensual da original.

A alusão aos GYBE! serve de ponte entre o cérebro do criador e o a criatividade da editora, que anuncia Dagger Paths como um cruzamento entre as bandas sonoras spaghetti western de Ennio Morricone e a claustrofobia de Burial. O primeiro refuta-se facilmente evocando a reverberação das melodias circulares de Mark Nelson (Labradford ou Pan American), para evitar o pressuposto de qualquer pendor épico em Dagger Paths. Ao segundo reconhece-se, não só a questão em torno de uma identidade secreta (como se isso importasse), mas um certo apreço pelo uso de samples vocais refractados a ecoarem no abandono. Aquele ponto em que o 2-step começa a tomar tonalidades mais obscuras a caminho do dubstep, mas sem as suas propriedades bovinas.

Recordando que Burial samplou “I Refuse†em “In Macdonald’sâ€, estas duas referências urbanas poderiam fazer depreender de se estar perante os XX. Putos afectados que no seu álbum de estreia apenas muito subliminarmente as faziam sentir. Ou com demasiada boa vontade crítica. Dagger Paths não é, de todo, um disco pop, nem marcadamente urbano, facilmente constatável num projecto com o nome de Forest Swords. Insistindo no namedropping, existe uma certa acessibilidade que o coloca num contínuo formal com bandas como Pocahaunted ou Peaking Lights, partilhando até com estas aquela noção de espaço do dub (Island Diamonds por exemplo) e a repetição enquanto via para o drone.

Entre a pacatez de Merseyside e o aparato de Liverpool, a vivência em Wirral muito dificilmente seria imaginário para depressão urbana. Um título como “Holylake Mist†é disso peremptório, trazendo um imaginário profundamente britânico sem enviesar por apatia citadina. Andamento mais percussivo desta estreia em formato álbum (que compila temas anteriormente disponíveis em edições limitadas), vai encandeando diversos momentos sem se adensar forçosamente. Evitando cair na inanidade do post-rock. Tangencialmente, “Visits†recorre também à percussão enquanto catalisador para um baixo marcial impor uma atmosfera subtilmente opressiva.

O fantasma de uma voz feminina que, em fundo, espelha a solidão que “Glory Gongs†glorifica (passe o trocadilho parvo) e que será marca autoral ao longo de um belo disco que, não sendo genial, mostra já uma identidade vincada. Mesmo que este texto venha impregnado de referências que possam indiciar o contrário. A sua disparidade repudia, Dagger Paths acolhe. Cada qual saberá o que escolher.


Bruno Silva
celasdeathsquad@gmail.com
31/03/2010