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Mural Nectars of Emergence

2010
Sofa


Uma das correntes que mais dominou a esfera da improvisação livre na primeira década do novo milénio foi aquilo que se designou chamar de “near silence†ou “lowercaseâ€. Numa música que vivia dos diálogos entre os intérpretes e a inspiração e que tradicionalmente alcançava o clímax nos picos de energia (uma estética assumidamente herdeira do free jazz clássico), a entrada em cena de uma lógica de controlo, de quietude, veio subverter absolutamente as regras do jogo.

Sendo uma tendência genericamente europeia, principalmente centrada em Londres (com o harpista Rhodri Davies como uma das figuras centrais), tem réplicas em Berlim (via trompete de Axel Dörner, entre outros), Viena e também Lisboa - por mérito do incansável trabalho do violinista Ernesto Rodrigues ao leme da editora Creative Sources. No entanto, há vida para lá destes pólos, como é o caso dos excelentes Hubbub (vindos de França) ou deste trio Mural, que junta um australiano e dois noruegueses (um deles entretanto transferido para Espanha).

Os Mural resultam do encontro entre Jim Denley, Kim Myhr e Ingar Zach. Denley trata do saxofone alto e flautas, Myhr fica com as guitarras acústicas (preparadas) e Ingar Zach toma conta da percusssão. Canalizando a improvisação numa direcção comum, cada instrumento nunca soa de modo tradicional. O sopro de Denley soa quase fixo, prolongado, estático – umas vezes sussura, outras vezes mostra a indecisão de quem está perdido; a guitarra de Myhr explora pequenos pormenores de som, não se restringindo a percutir as cordas para extrair sons “habituais†(mas também lá vai e quando o faz lembra Derek Bailey em Xanax); Zach trabalha texturas curiosas, não vai de encontro aos ritmos, prefere procurar outras ideias.

Não sendo totalmente abstracto, este som vive sob uma invisível coesão. O trio desenvolve uma música contida, abençoada pelo silêncio, que não chateia os vizinhos, mas por outro lado, e apesar dessa constante contenção, o grupo tem a capacidade de conseguir desenvolver uma tensão crescente, com o diálogo musical a queimar em lume brando, a alimentar um rastilho que não chega a detonar. Este disco, como uma boa cock teaser, promete, desvenda, insinua... E depois nada. Neste caso, ainda bem. Deixou-nos com uma erecção e vontade de mais.


Nuno Catarino
nunocatarino@gmail.com
17/03/2010