Num contĂnuo etĂ©reo onde nomes como Liz Harris (Grouper) ou Eva Saelens (Inca Ore) tĂŞm vindo a fragmentar canções prenhes de uma sensibilidade feminina muito particular, Megan Remy viu-se, desde os seus primĂłrdios drone, envolta numa torrente crĂtica consideravelmente elogiosa. Exacerbada, atĂ©. Se essas primeiras semi-canções como “Death Chant” faziam antever uma entrada relevante no campo onde as senhoras citadas se tĂŞm destacado no subterfĂşgio lo-fi sonhador norte-americano, a verdade Ă© que …Introducing se revelou incapaz de ombrear com as expectativas. Na verdade, …Introducing ficou refĂ©m de si prĂłprio, com o modus operandi a revelar-se demasiado pernicioso na sua economia de recursos. Como se fosse esse “manifesto de intenções” o argumento vital para assegurar a valĂŞncia das canções. NĂŁo era. Mesmo que se descortinasse atravĂ©s do fuzz e da lama um desejo latente de canção, que nunca chegou a ser.
Go Grey nĂŁo rompe com esse mesmo legado, mas revela-se bem mais interessante na sua consecução. Já nĂŁo se restringe a um plano unidimensional de batidas rafeiras e voz fantasmagĂłrica com via a ambiĂŞncias soturnas e opressivas, para explorar diferentes tonalidades, sem medo de expor acertadamente as fragilidades intrĂnsecas de algo tĂŁo despojado de artifĂcios. “Red Ford Radio” Ă© a cristalização de tudo isso. A batida desenferruja-se, torna-se acolhedora e Megan adocica em concordâcia a sua voz, para aquele que Ă© o momento mais resplandecente de U.S. Girls atĂ© agora. NĂŁo havendo ao longo de Go Grey nenhum outro momento tĂŁo descaradamente cantarolável, o restante álbum enceta com uma dignidade elegante em processos similares.
“I Don’t Have a Mind of My Own” regurgita o abandono do punk em tiques riot-grrrl enquanto imagina as Babes in Toyland (ou com alguma boa vontade as L7) como one man band com um fetiche noise. Amplificado nos seis minutos arranhados/taciturnos de “Sleeping On Glass”, com direito a coda repetitiva importada directamente dos anos 90 em riff de uma nota. Contrapondo estes momentos mais feéricos, “Blues Eyes on the Blvd.” e “Summer of the Yellow Dress” espelham a faceta mais sonhadora de U.S. Girls, sustendo-se na beleza de melodias simples com espaço para doçura desencantada. Neste comprimento de onda, “His Son’s Future” é um instrumental inofensivo sem espaço para o aborrecimento.
“Turnaround Time” tem o dom de caminhar em passo seguro o limbo entre estas duas facetas, sem recorrer a inusitados esforços para se assumir como algo ora estupidamente doce, ora ridiculamente opressivo. Como acontece em “The Mountain’s High”, que tanto deseja ser algo da Meira Asher gravado num poço que nem merecia sair de lá.
Tal como acontecia em …Introducing, a contenção do tempo abaixo dos 30 minutos funciona como uma mais valia, adequando-se de forma mais do que digna ao sentimento "inacabado" que prevalece. Na tradição do absolutamente glorioso e subvalorizado Smiley Smile. Go Grey nĂŁo irá mudar nada no fĂ©rtil panorama que o delimita, nem será uma revolução na carreira de Megan Remy, mas guarda para si aquele sentimento de responsabilidade de quem assegura uma notĂłria evolução, deixando pelo caminho cinco ou seis canções de enorme valor. Os antĂpodas podem atĂ© ser uma estância viável, mas por vezes, Ă© preferĂvel assegurar o conforto de uma zona cinzenta.