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Four Tet There Is Love In You

2010
Domino


There Is Love In You é um disco elaborado camada a camada. É sample atrás de sample, sonzinhos escolhidos ao pormenor porque não podiam caber ali outros senão eles mesmos. “Angel Echoes†faz as honras à obra do britânico. Voz samplada, pirilampos e estrelinhas elaboram todo o crescendo da música, que acaba por resultar num não-orgasmo. Talvez o melhor dos não-orgasmos, já que “Love Cry†não perdoa e assume-se como o melhor tema do alinhamento. Camada a camada, sample a sample. Surge então uma voz feminina sobre uma batida dance o suficiente para nos pôr a mexer mas deixando o suor de parte. House sublime. Até que entra em marcha o sintetizador grave e as coisas mudam de figura. Já é sexual, com o suor agora metido ao barulho. Hebden esmerou-se neste amor choramingas, deixando-se de rodeios e rematando com um harpejo cintilante emparelhado de guitarra acústica.

Em “Circling†um piano marca o tema, de novo sob um céu estrelado. “Nuvens não moram aquiâ€, pensa Hebden, ressabiado, londrino de gema. Para o ramalhete não ficar descomposto e como a constância é palavra de ordem, surge um novo crescendo arraçado de não-orgasmo. Bom, a faixa prossegue. Sobreposição de pianinhos, pianolas e um ritmo tão peculiar que mal se ouve. Sente-se. Ajuda-nos a não perder o compasso, parece até o bombear dos nossos próprios ventrílucos. Mas a arritmia está ainda para vir. Depois do brevíssimo prelúdio que é “Pablo’s Heart†(nem a propósito), “Sing†leva-nos até à pista, agora num house assumidíssimo. Vozes femininas sampladas ecoam no além, lado a lado com gotículas sonoras minuciosamente elaboradas. Isto não fica por aqui. Címbalos e tímidos órgãos ajudam a construir mais uma camada, sem nunca desembocar no caos. Four Tet sabe o que faz. Não é preciso graves exuberantes para sentirmos a batida nem a melodia por que a construção sonora se rege. O exemplo disso mesmo surge de seguida e, garanto-vos, este texto está a ser escrito sem cortes. Rec e está a andar. Adiante. Os graves de que vos falava surgem em “This Unfoldsâ€, oscilando em oitavas, num ritmo embalador e reconfortante. A partir dos 4 minutos junta-se uma espécie de prato de choque em versão sibilante, aproximando-se duma ambiência tropical que David Byrne, nos tempos de Rei Momo, não teria desprezado. Como qualquer produtor de samples, Four Tet não pode ignorar as virtudes do reverse, criando aqueles sons como que arrastados, puxados da sua terra-mãe à força. Fazem mais falta cá do que lá, em plena juventude. É isto “Reversingâ€, a apoteose zen deste There Is Love In You, momento para deixar a neve do pisa-papéis assentar. É que a pista já está novamente ao virar da esquina, que durante quase 6 minutos se comporta à altura, deixando-se adormecer progressivamente num sonolento fade out. “She Just Likes To Fight†carrega o fardo etiquetado da folktronica, a que praticamente todo o disco é alheio. Guitarra acústica em destaque, condição primária para que falemos de folk, hoje em dia. Mas o momento é de festa. Não há quem atrapalhe este serão, nem mesmo os mais especializados rotuladores.

There Is Love In You leva – não poderia ser doutra forma – pontuação máxima. Um disco assim, sem defeitos, cumprindo os desafios a que se propõe, deve ser tido em alta estima. Não há deslizes, perturbações ou elementos em falta, absolutamente completo na forma e no conteúdo. Mesmo brincando por vezes aos computadores, Four Tet faz música. E isso é o que realmente importa, quando nos deparamos com trilhos sonoros deste calibre.


Simão Martins
simaopmartins@gmail.com
02/03/2010