Ler as entrevistas de Ricardo Rocha à imprensa é um exercÃcio que se pode tornar penoso e/ou frustrante. Tanto negativismo, tanto “Não vale a penaâ€, tanto “A guitarra não dá maisâ€, tanto “Isto hoje em dia é só para quem faz coisas imediatas. O Paredes não vivia do que tocavaâ€. Esquecer-se-à , talvez, que precisamente a era em que vivemos, de difusão imediata e mundial, oferece muito mais oportunidades a instrumentistas de uma categoria e estilo únicos para fazerem a sua obra chegar a muito mais pessoas, e tocar para muito mais gente. Veja-se a recuperação de John Fahey e seus discÃpulos.
E Ricardo Rocha merece-o. A sua música é de uma classe estonteante, e intensidade esmagadora. Merece que o ajudemos a libertar a guitarra portuguesa da conotação fadista, porque isto não soa a fado. É um som de notas puxadas até cederem como tendões a rasgar-se, com algo de catedrático, de uma cristalinidade que só a consciência da solidão absoluta pode proporcionar. Ouvir a guitarra de Ricardo Rocha, a forma como parece vibrar apenas em sÃtios e de maneiras especiais, é seguirmos eufóricos por um caminho que podia ser enroladÃssimo, e que de súbito se torna incrivelmente claro. Diz ele que a guitarra magoa. Não admira, quando se tem notas que podiam ser representadas por desenhos de cacos de vidro a pingar sangue. Talvez por isso sentimos que os golpes secos que dá nas cordas são tão planeados como o melhor tiro de prova olÃmpica. Há um esforço para transcender as limitações. Há uma excelente gestão de espaços e silêncios. Uma capacidade, que talvez nem ele próprio reconheça, de não soar repetitivo. Apetece morder aquelas cordas, e tentar desvendar o seu segredo.
E pronto, foi a guitarra. E agora é dizer-vos que ele gosta é de...piano. Por isso escreveu peças para o mesmo, interpretadas pela austrÃaca Ingeborg Baldaszti. Visto que não sei descrever as diferentes categorias da música erudita, resta observar o estilo de Ricardo Rocha nas composições. E estão cá os golpes precisos, o inspirar-expirar em câmara lenta, a gestão complexa e hábil da tensão. Apesar da solidão, parecemos estar à beira de qualquer coisa. As mudanças de volume prenunciam algo, que nunca havemos de chegar a ver, que talvez só se desenrole quando a gravação parar. É preciso estômago para uma obra destas. É preciso ter a mesma filosofia de pare-escute-olhe que rege as passagens de nÃvel sem guarda.
Luminismo é um disco que apela a todas as nossas capacidades de visualização. Há demasiada música aqui para que nos conformemos com o derrotismo de Ricardo Rocha. Isto é uma carta aberta – o mundo merece ouvir isto. Se a ideia é desistir, então força. Mas primeiro há que dar tudo o possÃvel para que auditórios inteiros em Paris, Bruxelas, Zagreb e Santiago do Chile ouçam e se maravilhem com isto!