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Jorge Moniz Deambulações

2010


Jorge Moniz será ainda uma figura pouco conhecida no jazz português, mas vem desempenhando um importante papel na função de pedagogo – como professor e director pedagógico da Escola de Jazz do Barreiro, da qual é um dos fundadores. Moniz vem também mantendo em paralelo uma interessante carreira de baterista, mas até agora este seu lado estava um pouco escondido, fruto do pouco investimento na sua própria música. Até agora, que chegou finalmente a hora de Moniz mostrar os seus dotes musicais, chegou a hora de deixar o seu lugar à sombra, de procurar o seu lugar ao sol. Com este disco de estreia, Deambulações, Moniz mostra um irrepreensível bom gosto: no desenho dos temas, nos arranjos, na precisão das intervenções, na escolha dos parceiros musicais.

Neste seu cartão de apresentação Moniz faz-se acompanhar por um alguns dos melhores músicos da actual cena do jazz português. O piano fica por conta do pianista Júlio Resende, que com o discos Da Alma e Assim Falava Jazzatustra passou de promessa a confirmação definitiva. A guitarra fica com o veterano Mário Delgado (já gravava qualquer coisa nova, que o excelente “Filactera” deixou saudades). E o contrabaixo fica com João Custódio, que já é uma certeza do jazz em Portugal. O disco conta ainda com dois convidados mais que especiais: Hugo Alves (trompete e fliscorne) e Carlos Barretto (contrabaixo) trazem a sua magia extra.

O disco abre com um pastor a chamar o gado, ou melhor, os ovinos e caprinos. É uma recolha de Michel Giacometti, a partir da qual Moniz agarrou a base e sabiamente transformou, fazendo de uma tradição oral popular um sofisticado tema jazzístico. Tirando este trabalho de re-composição e um arranjo para o tema “La Fuente y la Campana”, do compositor catalão Federico Mompou, os restantes temas são todos originais de Moniz. Além de instrumentista exemplar - metódico, preciso, sólido, seguro - Moniz mostra-se também um compositor de bom nível.

Individualmente, é impossível não destacar neste disco a presença da guitarra de Delgado que, apesar de sóbria, é sempre reconhecível nos seus deliciosos efeitos. Hugo Alves também brilha a grande altura, quer no segundo tema (belo trompete em “Arábico”), quer na última faixa, desta vez com o fliscorne, com o seu som cheio e redondo a brilhar e a fazer soar bem um tema que tem como título “Alburrica”. O piano de Resende opta aqui por uma postura discreta, eficaz e sem exibicionismos, e Custódio agarra o lugar com força. O veterano Moniz tem aqui o exemplo de que nunca é tarde para arrancar para uma carreira que, a partir de agora, só pode trazer coisas boas. O jazz português acaba de ganhar um bom baterista e compositor.


Nuno Catarino
nunocatarino@gmail.com
14/01/2010