Muito antes de alguĂ©m ter inventado o termo hypnagogic pop, como etiqueta para todo o tipo de reaproveitamentos da mĂşsica de 80 corroĂda pelo desgaste temporal e psicadĂ©lico de hoje, Anne Laplantine já tinha uma carreira feita de canções tecnicamente descomprometidas e toscos ensaios nostálgicos. Avaliando as coisas retrospectivamente, “Let’s Rock Baby”, o single de 2000, que a francesa gravou como Michiko Kusaki, era hypnagogic pop antes do seu tempo, numa altura em que ainda era miragem o artigo de seis páginas que o crĂtico David Keenan dedicou ao gĂ©nero na revista Wire. “Miragem” serve bem para explicar a distância desta pop, na medida em que Anne Laplantine trata a canção como recordação retida algures e nem tanto como um Ămpeto do momento.
O discreto regresso A Little Time May Be revela uma Anne Laplantine entusiasmada com a ideia de desaprender, na tentativa de partir sempre da ingenuidade rumo a micro-descobertas feitas de guitarra e teclados em alegre desconexĂŁo. Para quem tiver paciĂŞncia, esta desventura armazena uma tonelada de ternura espalhada sobre a alcatifa, como uma sopa de letras que forma palavras bonitas por acidente. Caseirinha. Tartaruga. Tonta.
Escutamos a trilogia formada por “Rev”, “Where it goes” e “On the Street”, peças escondidas entre faixas de quase silêncio, e percebemos que Anne Laplantine poderia estar entre as estimáveis Tickley Feather e Zola Jesus caso o disco fosse um cd-r de três músicas partilhado como segredo entre conhecedores até ser um post de blog influente. Assim, A Little May Be é só um disco inconsciente do seu teor hypnagogic pop, com tudo o que isso tem de curioso e chato.