Num plano puramente formal, e encarando The Visitor como o seguimento natural/cronológico de Insignificance, o seu tÃtulo será novamente uma referência ao cinema cut-up de Nicolas Roeg (The Visitor é o nome com o qual o alienÃgena David Bowie grava os seus discos em The Man Who Fell To Earth). Permitida uma análise meramente especulativa, The Visitor poderá ser interpretado de variadas formas. De modo consequente e contextualizado. Os oito anos de distância entre este e o seu predecessor serão a mais óbvia, tendo em conta o discurso do músico norte-americano de que não voltaria a fazer música. Residente em Tóquio, onde se dedica (ao que consta) afincadamente nas artes cinematográficas, este regresso pode ser visto como uma simples visita. A um mundo musical, algo diferente de 2001. Aos Estados Unidos, que subliminarmente elogia ao longo dos 38 minutos desta canção-peça instrumental. No seguimento dos seus anteriores albúns “pop†(de forma mais ou menos declarada), The Visitor passeia-se pelo legado da melhor música nascida no seu paÃs de origem. Reverencial sem nunca cair no pastiche. Respeitoso.
Alinhando na mesmas coordenadas, entre a folk de John Fahey e a inquietude de Derek Bailey, o Van Dyke Parks de Song Cycle ou os arranjos de Martin Denny, Jim O'Rourke visita sons familiares numa linguagem idiossincrática, coleccionando os retalhos deixados por tão veneráveis fantasmas para os tecer numa inspirada manta. O savoir faire acrescido que evita a homenagem inócua. Ou o desinteresse pela familiaridade.
Maioritariamente conduzida pela guitarra, The Visitor vai articulando diversas passagens sem nunca ceder a crescendos óbvios ou mudanças inusitadas. Deixa escapulir subtilmente uma nota que leve a novo motivo melódico para se encontrar com o piano, a bateria, os sopros e demais instrumentação que o músico tocou integralmente. Mesmo com recurso a um tema recorrente que permita a The Visitor adquirir uma lógica interna, este reaparece num novo contexto, permitindo a sua releitura, não apenas como uma muleta, mas como um elemento essencial na obra. The Visitor enquanto uma Gestalt. Urdida sobre esta lógica inerente que permite um discurso fluÃdo, a música em The Visitor escapa-se constantemente a soluções facilitistas (a armadilha de Chicago) por intrometer um elemento fantasma que vem ganhar espressão corpórea. Quando a cabeça tem aquela melodia de banjo confortavelmente instalada, já é a serenidade do oboé que se faz ouvir. Para desaguar em águas free e para as mãos de Erik Satie. Sucessivamente.
Pela sua coerência instrumental, seria fácil apelidar The Visitor de música de sala. Pela multiplicidade de registos, poderão chover insultos de pomposidade. Ambos, erróneos. The Visitor não existe nos antÃpodas, enquanto abrange tudo entre estes, pelos mais enviesados e naturais caminhos. Por uma vez, os adjectivos desafiador e aprazÃvel podem coabitar pacificamente.