Alguém perfeitamente embriagado entra num bar com a intenção exclusiva de armar porrada com um dos três clientes presentes: o Sr. Les Savy Fav, o Sr. Shellac e o Sr. Future of the Left (todos mal encarados). O que alguém não sabia é que minutos antes o Sr. Future of the Left já tinha procurado um lugar privilegiado com vontade de partir a cara do primeiro a entrar no bar. A cegueira rock que afecta o Sr. Future of the Left é a de quem reclama o direito a aplicar a primeira chapada. Faz isso com que o golpe em Travels With Myself and Another surja nos riffs e ímpeto das canções servidas como anedotas porcas (próximas de imaginárias versões, mais distorcidas e hostis, do clássico “Big Balls”, dos AC/DC).
Não é de estranhar tal natureza agressiva, quando a explicação reside na árvore genealógica do arruaceiro: os Future of the Left herdaram dos Mclusky o vocalista e guitarrista Andy “Falko” Falkous e o baterista Jack Egglestone, e dos Jarcrew o baixista Kelson Mathias, após ruptura de ambas as bandas. Se a presente década não passou em vão, o nome dos Mclusky deve por esta altura eriçar uns quantos pêlos no rego de quem ama o rock que aponta ao estômago. Assim foram os Mclusky, gloriosamente despretensiosos, muito por culpa da associação com o “produtor” Steve Albini, que sempre fez por salientar a eminência e provocação na banda de Cardiff, em vez de adequá-los a qualquer tara brit passageira.
Travels With Myself and Another, o segundo a cabo dos Future of the Left, é tão eficaz e pujante, na chama que transporta da dinastia Mclusky, que, em pouco tempo, gera saudades dos tempos em que Nick Oliveri dinamizava os Queens of the Stone Age com a tusa do demónio e uma perversão desmedida (perto dos seus extremos, a voz de Andy Falkous relembra a de Oliveri). Tematicamente, os Future of the Left não andam longe dos mesmos universos, onde o consumo de álcool é essencial e a alma só tem utilidade quando vendida ao diabo (“You Need Satan More Than He Needs You” tem uma machadada de sintetizador com o pentagrama invertido tatuado na testa).
Através de uma lógica retroactiva, Travels With Myself and Another serve até para repor o bom nome da 4AD, que recentemente abrigou um disco vergonhoso dos Big Pink (repetidamente validado pelo mais exagerado hype deste ano). Serve, além disso, como excelente lenha para a fogueira onde ardem as diferenças entre Shooting at Unarmed Men (o drama, o horror, a tragédia) e Future of the Left, as duas metades que sobraram do átomo Mclusky. Ardemos então na chama obtida por um dos discos do ano que os tem bem no sítio.