Em tempos de suposta de crise, aqui está um disco saído de uma. Uma crise com os músicos do próprio Romulo Fróes, nome promissor da música brasileira ainda não totalmente sujeito aos grandes holofotes, uma crise com a sua identidade sambista. E da crise fez-se fartura. E fez-se sucesso, já que há por aqui muitos e diversificados motivos para sorrir. No Chão sem o Chão não é um disco, mas sim dois. Duas sessões, chama-lhe Rómulo Fróes. A primeira, Cala boca já morreu, de cisão, e a segunda, Saiba ficar quieto, de decisão. Um não podia viver sem o outro.
O lado A do disco é mais nervoso, mais tenso. Consubstancia a ideia que Romulo Fróes é homem para saltar de território em território de disco para disco. Isto nada tem que ver com o seu tento anterior, o taciturno Cão. É obra feito com novo barro, nova matéria. Lembra Mutantes mas não de uma forma forma copista ou tributária. “Do Ponto do Cão”, na abertura, mostra apetências pelo confronto entre a singeleza da canção brasileira no seu estado puro e o feedback de guitarras entusiasmantes. Tensa e exploratória, serve de exemplo para a primeira sessão deste No Chão sem o Chão. As letras são de um exímio abstraccionismo, de uma doçura rústica apetecível; os arranjos são sempre na medida certa, bem medidos – suficientes. Cada canção tem o peso certo, a seriedade certa. É uma receita com os ingredientes correctos - é passar os ouvidos na celebratória “Deserto Vermelho”, por favor, para o confirmar. “Anjo” tem o grau de nervosismo certo para ficar na memória, pelas guitarras e pelo imaginário do texto dito por Romulo Fróes com uma convicção apoteótica. “Minha Casa” tem uma policromia que apetece trincar – prato quase ska.
O segundo capítulo do disco é altura para ver Romulo Fróes soltar-se, relaxar depois do corte com o passado e continuar a procurar respostas para o futuro da música brasileira. Tem mais samba que o primeiro capítulo mas não é seguidista; serve-se apenas dele para iniciar a viagem mas o que se pode escutar tem a certeira filtragem dos elementos que interessam. É um disco de música brasileira mas que quer ser universal. Não fica só no Brasil. O fio condutor é a canção, tingida de samba aqui ali, mas de uma imensa criatividade a todo o momento. É como uma festa cançonetista, para a qual contribuem sopros, coros e muita fantasia, sempre sob a batuta de Romulo Fróes, que assim assina um dos melhores discos a chegar do Brasil nesta década.