Quantas vezes um disco pode ser, ao mesmo tempo, pretexto para um documentário da National Geographic e um potencial argumento para um filme de Alejandro Babel Iñárritu? A pergunta oferece as respostas necessárias para entender a singularidade de East of Eden, o álbum de viagem de Taken By Trees, caravana pop conduzida por Victoria Bergsman (mundialmente reconhecida pela voz que emprestou a “Young Folksâ€, o tema de Peter, Björn and John que toda a gente sabe assobiar). Contam os relatos que, mesmo desaconselhada pelo governo sueco, Victoria Bergsman decidiu rumar ao Paquistão, onde foi obrigada a simular um matrimónio com o seu engenheiro de som para escapar a um casamento forçado com o filho do merceeiro mais popular lá do bairro ou alguém parecido.
Victoria misturou-se e acabou a gravar um disco com músicos locais. Se fosse outro filme (o nome já pertence a um drama protagonizado por James Dean, adaptação do livro de Steinbeck), East of Eden teria o seguinte rodapé junto a um rosto bonito parcialmente coberto: Ela perdeu-se no Paquistão e encontrou-se num disco. Por tabela, a pop sueca, que trouxe na bagagem, encontrou-se com a música tradicional paquistanesa, um pouco como acontecera com os Blur e a música de Marrocos no fantástico Think Tank.
Sucedeu-se afinal um casamento com o consentimento de ambos os estilos. E é por aà que East of Eden assume a aparência de disco hÃbrido, tão recolhido na sua toca de miniaturas pop como enfeitiçado por ritmos e melodias com aroma islâmico. Quando o cunho de Victoria é quase imperceptÃvel num dos temas (“Wapas Karna†não soaria estranho numa compilação da Sublime Frequencies), o que poderia ser tomado como um sinal de esgotamento passa a ser um gesto nobre de quem não teme incluir o Paquistão puro no seu mosaico pop (à s vezes próximo daquele que atribuirÃamos a uns Beach House montados num camelo). Além disso, Victoria havia já provado que a mudança de ares favorece o seu engenho: “Cedar Trees†era, no anterior álbum Open Field, a mais doce canção alguma vez inspirada pelos cedros e estradas do norte de Portugal (se o palpite não me falha).
Mas a inspiração de Victoria vai além dos cedros: East of Eden está carregado de Animal Collective, e de uma forma tão assumida e cordial que ultrapassa por completo as acusações de colagem. Primeiro é a voz de Noah Lennox, o Panda Bear dos Animal Collective, que ajuda na tecelagem das harmonias de “Annaâ€, com a subtileza que o próprio ambicionava para as suas composições em Person Pitch (as entrevistas indicam que Rusty Santos foi o principal responsável pela elevação da sua voz no Pet Sounds lisboeta). Se ainda restassem dúvidas, “Anna†esclarece que, actualmente, Noah Lennox é bem capaz de ser o mais esclarecido Midas no toque melódico que oferece a cada refrão por onde passa. A segunda evidência incide numa versão curiosa de “My Girls†dos Animal Collective, aqui cantada a partir da perspectiva feminina (“My Boysâ€). Aquilo que chegou a ser house extasiada, nas mãos de Frankie Knuckles, e um hino acidental, na voz de Panda Bear, é agora pop para dança do ventre num filme recomendado a maiores de 6 anos. Ladrão que rouba ladrão repete a excelente canção. E Victoria sabe bem como rimar canção com Paquistão.